Governo aposta no alargamento do recenseamento dos emigrantes

Há alterações profundas em preparação na ligação entre os emigrantes e o país. O veículo potenciador é a comunicação digital em rede. Mas a aposta passa também pelo papel a dar às associações e aos gabinetes de apoio ao emigrante.

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Daniel Rocha

Com o objectivo de aumentar radicalmente a participação eleitoral dos emigrantes, o Governo prepara alterações profundas no processo de recenseamento das comunidades portuguesas no estrangeiro, garantiu ao PÚBLICO o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, José Luís Carneiro.

Num primeiro momento, a mudança passa pela alteração das funções dos consulados honorários, atribuindo-lhe poderes de recenseamento, explicou José Luís Carneiro, acrescentando que está a ser feito “um esforço para identificar consulados honorários com condições para procederem a recenseamento”.

Como exemplo relata que, no Brasil, se reuniu “com os cônsules honorários afectos ao consulado de São Paulo” e, no final desse encontro, decidiu “atribuir ao cônsul honorário do Matogrosso do Sul poderes para poder recensear os cerca de mil portugueses que aí vivem”. No mesmo momento, “foi também autorizada a abertura de uma mesa eleitoral em Matogrosso do Sul”. Uma opção que é necessária para aumentar a capacidade eleitoral dos emigrantes. Daí que esteja em curso a “identificação dos locais onde podem ser abertas mesas de voto”.

Para incentivar o aumento do recenseamento de emigrantes, o secretário de Estado revela que vai o recenseamento ser inscrito “entre os factores que têm valor para a avaliação de desempenho dos funcionários consulares”. Esta alteração “já recebeu parecer positivo do sindicato dos funcionários consulares” e surge depois de o anterior secretário de Estado, José Cesário, ter inserido o dever de recenseamento nos regulamentos dos consulados.

Recenseamento automático

Enquanto avança o alargamento do recenseamento nos termos que existe hoje, o Governo prepara uma pequena revolução. Trata-se da introdução do recenseamento automático de parte significativa da comunidade portuguesa pelo mundo, que está estimada em cerca de cinco milhões, dos quais apenas cerca de trezentos mil estão hoje recenseados, sendo que destes apenas 5% votam presencialmente para Presidente da República e 10% por correspondência nas legislativas.

“Temos trabalhado em diálogo com a Administração Interna e a Justiça e estamos a discutir se avançamos com o recenseamento automático dos emigrantes”, anunciou José Luís Carneiro, divulgando também que o assunto foi já “debatido informalmente com deputados do círculo da emigração”. Segundo o secretário de Estado, o problema que está em discussão prende-se como o facto de que os emigrantes “quando vêm a Portugal de férias, tratam de documentos” e, se o processo for automático, isso irá reflectir-se.

Além de problemas práticos, esta alteração traz problemas mais profundos. “Esta decisão é sensível e tem de ser bem debatida, porque os emigrantes valorizam as duas moradas, a de origem, em Portugal, e a de trabalho, no país onde estão deslocados”, destaca José Luís Carneiro, que, no entanto, conclui: “Agora não há dúvida que o recenseamento automático traz mais limpidez e maior transparência à representação política. Mas queremos valorizar e a participação eleitoral sem desvalorizar a ligação afectiva e real ao território de origem.”

A possibilidade de automatizar o recenseamento está associada e depende da modernização da rede consular do ponto de vista digital e da estrutura tecnológica, onde está programado um investimento de 2,5 milhões de euros. A curto prazo, essa modernização introduz o Acto Único de Inscrição Consular, que “permitirá a migração dos dados de todos os portugueses inscritos na rede consular para a base em Lisboa”, explica José Luís Carneiro, frisando que será “criada uma fonte única de informação em Lisboa que irradia para todos os postos consulares”.

Esta mudança “significa um menor esforço para os serviços e para os utentes e tem a vantagem da limpeza dos dados”, prossegue o secretário de Estado, salientando que ela “traz transparência no tratamento dos dados, permite a desmaterialização dos pedidos de informações e a centralização das operações e das informações que passam a ser acessíveis ao utente a partir do computador de casa”.

É no âmbito desta remodelação tecnológica que se fez o lançamento do Espaço do Cidadão em Paris, que já garante 60 serviços, 50 dos quais gratuitos, e que foi inaugurado a 18 de Junho. Entre estes serviços José Luís Carneiro destaca a Segurança Social, os Assuntos Fiscais, a Justiça e a Administração Interna, revelando que os documentos mais pedidos até agora foram a carta de condução e o registo criminal.

Mas não só de digitalização vive a aposta na rede consular, que “nos últimos 20 anos perdeu 1500 representantes, quatrocentos dos quais nos últimos quatro anos” sublinha José Luís Carneiro, salientando que “a rede ficou debilitada num período em que aumentou a procura, só em 2015 houve 1800 mil actos consulares”. Por isso, há um movimento de contratações, que “assumiram carácter de urgência no caso de Londres e de Manchester, devido ao Brexit”, revela o secretário de Estado, anunciando que “o local seguinte a reforçar será Bruxelas”. E alerta: “Esta debilitação da rede consular é também das receitas do Estado, porque a receita é sempre superior à despesa na actividade consular. O grosso dessa receita fica no MNE ou na Justiça.”

Ligação às pessoas

A comunidade portuguesa no estrangeiro são as pessoas e a aposta do Governo é em estabelecer uma rede de relações reais com elas. Para o conseguir está em curso uma dinamização do trabalho da secretaria de Estado com as associações de emigrantes. “As associações vão ser incentivadas a candidatar-se a apoios da rede consular”, anuncia José Luís Carneiro, que explica estar “em revisão o Estatuto de Apoio às Associações de modo a que o associativismo seja integrado e tenha prioridades”.

A atenção prioritária está a ser dada às associações que “envolvem jovens, sobretudo em Inglaterra, em Barcelona, em França e na Suíça”, assume José Luís Carneiro, afirmando que “o movimento associativo tradicional foi mantendo certas práticas mais antigas e os mais jovens foram desvinculando-se”.

O objectivo é que as associações sejam um instrumento para chegar às pessoas. Poderão assim receber mesas eleitorais e serão também o veículo comunicação do Estado com os emigrantes. Nomeadamente para a implementação de medidas como o plano de acção no domínio da Igualdade de Género junto das comunidades portuguesas, “onde ainda há muito machismo e muita violência silenciosa”, adverte José Luís Carneiro. Este programa, que será assinado dia 28 de Julho, é feito em conjunto com a secretária de Estado da Igualdade, Catarina Marcelino, e envolve também a Associação da Mulher Migrante, da ex-secretária de Estado das Comunidades Manuela Aguiar.

As associações de emigrantes servirão também para chegar a quem tem necessidades de apoio no estrangeiro, aduz o secretário de Estado, dando um exemplo: “Há 80 portugueses a trabalhar na Arábia Saudita, na Saudi Oger, que estão sem receber há oito meses. O embaixador fez reunião com 50 deles, mas não querem ser identificados. Trata-se de situações que é preciso detectar para que haja apoio às famílias em Portugal. É a isso que associações de emigrantes nos ajudam a dar novas respostas.”

Rede de apoios

A ligação às pessoas tem uma outra vertente que é a das estruturas em Portugal, os Gabinetes de Apoio ao Emigrante (GAE) que existem em articulação com e nos municípios, dentro do princípio de que “mais de 90 % dos emigrantes regressam à terra de origem”. Destas estruturas, há 101 e o Governo diz ir criar mais 202. No fundo são gabinetes com um ou dois funcionários municipais, formados pela secretaria de Estado, que “ajudam os emigrantes regressados a recuperar pensões de reforma e direitos dos países onde trabalharam, auxiliam também com reconhecimento de equivalências escolares, com a colocação de questões à Direcção-Geral de Viação ou à Justiça, sobre tutela de menores”, explica José Luís Carneiro.

Neste domínio, a ideia é “fazer GAE de segunda geração e alargá-los a todo o território”, até agora existem “só a norte e a centro”. Assim, a secretaria de Estado está a assinar protocolos com 30 câmaras, vai abrir um em Ferreira do Alentejo, que será o primeiro do Alentejo, outro em Loulé, o primeiro do Algarve, e em Sintra, o primeiro urbano”, diz José Luís Carneiro que promete: “Irão abrir também em Lisboa.”

Os GAE estão em contacto com pivots que, na secretaria de Estado das Comunidades e em reuniões mensais, fazem a coordenação entre estas estruturas municipais e os vários ministérios, em questões que vão dos assuntos fiscais à segurança social (reformas e trabalho), passando pelo turismo (investimento e promoção), pela internacionalização e pela indústria (IAPMEI).

“Os pivot têm função de fazer a cozedura fina da coordenação entre municípios, institutos e gabinetes estatais e também entre o pequeno e o grande investimento”, defende José Luís Carneiro, explicando que os GAE estão também a trabalhar em ligação com o Gabinete do Investidor na Diáspora, criado em 2013. “A função é encontrar e apoiar o micro e pequeno investidor que queira investir nas terras de origem. Já identificámos perto de 5000 empresas de emigrantes nas áreas agro-alimentar, turismo, restauração e novas tecnologias da informação”, avança o secretário de Estado, prevendo: “Se a identificação em curso correr como previsto até fim de Julho, em Dezembro organizaremos um encontro de empresários na diáspora.”

O projecto final é, segundo José Luís Carneiro, criar um circuito em que “cada município é uma porta de entrada para 127 postos consulares de carreira, 225 consulados honorários, dos quais 35 praticam actos consulares”, acrescentando que “a articulação entre Gabinetes de Apoio ao Emigrante e o Gabinete de Investidores na Diáspora é essencial para a ligação desta rede”.

Como cereja no topo do bolo deste projecto em rede, José Luís Carneiro, assume: “Falta criar GAE nos municípios estrangeiros onde temos mais comunidades, estes não substituem consulados mas criam proximidade com o Estado português.” E revela: “O primeiro está a ser preparado em Pontault-Combault”, indo ser “assinado um protocolo com o município francês e com a associação cultural do conselheiro Mário Castilho. A seguir será em Saint-Gilles, em Bruxelas, em Manchester, em Inglaterra, e em Wrexham, no País de Gales.”

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