Joana Amendoeira: adeus verdes fados

Gravou o primeiro disco aos 15 anos e o oitavo aos 32, grávida do primeiro filho. Muito Depois marca a entrada definitiva de Joana Amendoeira na fase mais adulta do seu fado.

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O título pode induzir em erro. Mas Muito Depois não ilustra um interregno maior desde a última gravação ou um tempo de espera forçado na actividade musical. Significa mais do que isso, um olhar adulto para trás. No livro O Futuro da Saudade, sobre os fadistas mais recentes, Manuel Halpern escreveu: "O fado está cheio de histórias de prodígios. Mas uma das mais prodigiosas é sem dúvida Joana Amendoeira." Isto porque nela tudo começou demasiado cedo.

Nascida a 30 de Setembro de 1982, em Santarém, concorreu à Grande Noite do Fado com apenas 11 anos, gravou o primeiro disco aos 15 e aos 16 já actuava fora do país, somando aí, nos anos seguintes, uma lista invejável de palcos: Hungria, Holanda, Espanha, França, Áustria, Itália, Alemanha, Brasil, Estados Unidos, Canadá, Japão, Rússia, actuando também em África. Tudo isto, a par da casa de fados onde continua a cantar, deu-lhe uma experiência enorme. E é para ela que olha agora, "muito depois" do juvenil início: "Foi mais para reflectir a vivência, desde a infância, a adolescência, até chegar aqui. Tudo o que aprendi com os músicos, os fadistas, toda a aprendizagem a nível da interpretação. Esse é o ponto fundamental neste disco, há um passo em frente na interpretação das palavras destas novas músicas."

Antes de chegar a Muito Depois, Joana gravou sete discos. No primeiro, Olhos Garotos (1997), era ainda uma criança. E no segundo, Aquela Rua (2000), estava à procura do que viria a ser o seu estilo. Foi a partir de Joana Amendoeira (2003) que desenhou um percurso mais estruturado, que desenvolveria depois em Ao Vivo Em Lisboa (2005), À Flor da Pele (2006), Joana Amendoeira & Mar Ensemble (2008) e Amor Mais Perfeito (2012), um tributo ao grande guitarrista José Fontes Rocha, com quem o disco era para ter sido gravado, mas que morreu antes, em 15 de Agosto de 2011, com 84 anos.

O adeus aos verdes fados di-lo agora, em definitivo, com Muito Depois, onde se nota um claro amadurecimento na expressividade da voz, na forma de abordar as palavras: "É o treino diário das casas de fado; foi ouvir os ensinamentos, por exemplo, do José Fontes Rocha, que foi realmente o grande professor da minha vida. Mas hoje em dia, na casa de fados onde eu estou diariamente, O Senhor Vinho (que eu considero que é a nossa oficina, o nosso ginásio), através dos ensinamentos de Maria da Fé, também abordo de outra forma as palavras, o sentido que se lhes deve dar."

O facto de estar grávida na altura das gravações (foi depois mãe de um rapaz, Francisco) também ajudou: "Influiu muito: na responsabilidade, no querer fazer mais e melhor. E também na emoção, que está muito presente no disco. Sentia-me muito mais sensível por causa da gravidez, da questão hormonal, e acho que muitos temas saíram diferentes porque eu estava grávida. O próprio Fernando Nunes, o Naná, que me grava há muitos anos, dizia que a minha voz estava diferente, que tinha outros graves, outro corpo."

A linha dos sentimentos
O disco, com dezasseis temas (catorze mais dois extras), resultou de uma colaboração fértil com Tiago Torres da Silva. "Convidei-o para produzir o disco. E ele trouxe-me uns doze temas novos. Uns já tinham músicas feitas, com Paulo de Carvalho, Marcos Sacramento [músico brasileiro], Pedro Jóia, Filipe Raposo. Mas houve alguns feitos para este disco, como o que ele fez com o meu irmão, Pedro Amendoeira (A canção que te pedi) ou com o Rogério Ferreira (P’ra mudar o rumo à vida)." Na maior parte, o disco é composto de originais. Mas há algumas regravações. "Já tinha alguns temas recolhidos", diz Joana. "Por exemplo, o poema de Natália Correia, Passageira da noite, que aqui surge no Fado Lopes [já tinha sido cantado antes, mas no Fado Vianinha]; o Teu lindo nome, do José Niza, que já tinha sido cantado e gravado pela Mísia no seu primeiro disco [de 1991]; e também o Verdes campos, verde vida, porque eu gostava muito de cantar a Maria Manuel Cid, que já nos deixou há muitos anos e é uma poetisa ribatejana fantástica."

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O arranque com Penas de ternura, poema de Joaquim Pessoa com música do Fado Zeca (de Amadeu Ramin), dá um sinal ao ouvinte. "Queríamos começar com um fado tradicional e era importante começar com este, que é um lindíssimo poema de amor. Depois foi tentar construir o resto com dinâmica, seguindo a linha dos sentimentos das histórias que aqui se espelham." E há momentos em que essa linha se adensa e aprofunda: "O tema em que se salienta mais a emotividade é O avesso do destino, porque tem um poema muito forte, que o Tiago Torres da Silva escreveu no momento em que perdeu os pais, no mesmo dia, um momento muito dramático."

O fado bem embalado
Criado de Maio a Julho de 2015, com duas semanas intensas em estúdio, o disco contou com um trio que já a conhece bem: Pedro Amendoeira, seu irmão, guitarra portuguesa; Rogério Ferreira, viola de fado; e António Quintino, contrabaixo. Joana conheceu este último através de um documentário com o cantor e compositor brasileiro Pierre Aderne e ele juntou-se ao grupo há mais de um ano. "Contribui com a sua versatilidade e uma linguagem que é mais do jazz, mas adapta-se muito bem à forma de tocar do fado." Mas além deles também participam no disco, nas composições que levam as suas assinaturas, Paulo de Carvalho, Pedro Jóia e Filipe Raposo, que Joana conheceu há vários anos num espectáculo que fizeram para a Casa da Música, com David Zaccaria no violoncelo.

Nas letras, além de Tiago Torres da Silva (nove temas) e dos autores já citados, há ainda Vasco da Graça Moura (Jasmim, musicado por António Quintino) e Amélia Muge, com uma letra para uma música que João Godinho (autor dos arranjos para Mar Ensemble) já tinha há três anos. Nem de propósito, chama-se Fado do embalo. Porque há um bebé, claro, mas também porque o fado renasce a cada nova criação.

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