Acções da DGS no ramo imobiliário são herança dos anos 1980

Director-geral da saúde já esclareceu que só teve conhecimento da existência de contas bancárias no ano passado. Reacção a relatório crítico do Tribunal de Contas.

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Francisco George, director-geral de Saúde Nuno Ferreira Santos

O Tribunal de Contas (TdC) detectou investimentos financeiros da Direcção-Geral da Saúde (DGS) numa empresa do ramo imobiliário, "sem qualquer justificação", tendo considerado desfavorável a fiabilidade das demonstrações financeiras deste organismo do Ministério da Saúde.

“Foram detectados depósitos, no montante de 8.389,35 euros, em contas abertas na banca comercial, bem como 4500 acções de uma sociedade gestora de participações sociais de empresas do ramo imobiliário, não revelados na contabilidade nem nos documentos de prestação de contas apresentados ao Tribunal, apesar de conhecidos dos responsáveis, o que constitui uma violação da integralidade das demonstrações financeiras, bem como do dever de apresentar contas verdadeiras e fiáveis”, lê-se no relatório do TdC. "Apurou-se ainda que a DGS possui uma conta de activos financeiros na CGD com 4500 acções de uma sociedade gestora de participações sociais, a SONAGI, SGPS, SA., com uma conta extracto associada, cujo saldo a 31/12/2014 totalizava 3680,334 euros".

A Direcção-Geral de Saúde reagiu, afirmando que se trata de aplicações financeiras de que só tomou conhecimento recentemente. "A DGS, em 2014, por iniciativa própria, questionou a Caixa Geral de Depósitos, tendo tomado conhecimento da existência de contas bancárias, abertas nos anos 80, bem como da existência de activos financeiros adquiridos em 1988, pela então direcção da instituição", esclareceu o director-geral de Saúde, numa nota informativa divulgada esta segunda-feira.

Esta acção do TdC visou avaliar “a integralidade, fiabilidade e exactidão da conta de gerência de 2014 da DGS, bem como sobre a legalidade e regularidade das operações examinadas”, tendo concluído que “não se alcança qualquer justificação para que a DGS, que tem por missão regulamentar, orientar e coordenar actividades de promoção da saúde e prevenção da doença, possua investimentos financeiros numa empresa do ramo imobiliário”. 

De acordo com o relatório, em 2014, o orçamento da DGS foi de cerca de 34,5 milhões de euros, menos 11,8% face a 2013 (39,1 milhões de euros). Da despesa efectuada (23,2 milhões de euros), cerca de 9,3 milhões de euros (40,1%) resultaram do financiamento de programas na área do VIH/SIDA, saúde mental, doenças oncológicas e outras. Cerca de 7,7 milhões de euros (28%) foram encargos com o Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e cerca de 4,9 milhões de euros (20,9%) despesas com pessoal, que no ano passado totalizava 145 trabalhadores.

O TdC apurou que a DGS “não dispõe de um manual de procedimentos e de controlo interno”, classificando o sistema de controlo interno de que dispõe de “deficiente, na medida em que os métodos e procedimentos de controlo interno instituídos não previnem a ocorrência de erros e distorções nas demonstrações financeiras”.

Ainda segundo o relatório, o balanço de 2014 da DGS “não reflecte todo o património” deste organismo do Ministério da Saúde, uma vez que “não inclui os bens, equipamentos e sistemas de informação, no montante de 816.261,40 euros, em utilização no Centro de Atendimento do Serviço Nacional de Saúde”.

Os auditores apuraram que “foi utilizada, de forma indevida” uma conta destinada às reservas decorrentes de transferência de activos, para registo da transferência de bens, equipamentos e sistemas de informação afectos à actividade do Centro de Atendimento do SNS para a nova operadora, no montante de 741.313,88 euros.

Outra irregularidade identificada na auditoria relaciona-se com o facto da DGS ter registado “como dívidas a terceiros a receita que não conseguiu identificar até final do ano, sobrevalorizando desta forma o passivo”. “Na verdade, do total das dívidas a terceiros registadas no balanço (958.575,22 euros) apenas 108.456,64 euros correspondem a responsabilidades perante terceiros”, refere o TdC.

Em 2014, a DGS “foi titular de dez contas abertas na Caixa Geral de Depósitos (CGD), tendo encerrado durante esse ano sete dessas contas e transferido os respectivos saldos para contas da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE”. Porém, prossegue o documento, “no final de 2014 permaneciam na CGD, três contas bancárias que apresentavam um saldo de 8.389,35 euros, bem como 4500 ações de uma empresa gestora de participações em sociedades imobiliárias”.

“Na verdade, os responsáveis da DGS desconheciam, até 2014, a titularidade das acções, em resultado da ausência de controlos nesta área”, lê-se no documento, segundo o qual a DGS “não cumpriu a obrigação legal de manter os seus excedentes e disponibilidades de tesouraria em contas e aplicações da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública – IGCP, EPE, tal como resulta do princípio da Unidade de Tesouraria do Estado, o que pode configurar uma eventual infracção financeira susceptível de gerar responsabilidade financeira sancionatória”.

DGS responde
O director-geral da Saúde, Francisco George, confirma que até ao ano passado ignorava a situação. "A DGS, em 2014, por iniciativa própria, questionou a Caixa Geral de Depósitos, tendo tomado conhecimento da existência de contas bancárias, abertas nos anos 80, bem como da existência de activos financeiros adquiridos em 1988, pela então direcção da instituição", esclarece este responsável, numa nota informativa divulgada esta segunda-feira. Algumas dessas contas, adianta, "correspondem a contas associadas a cauções de entidades privadas relacionadas com projectos de construção, no âmbito de competências de serviços que entretanto foram integrados nesta instituição centenária, nomeadamente a Direcção-Geral dos Hospitais, não sendo meras contas de depósito bancário". Francisco George explica também que já após o relatório do Tribunal de Contas o organismo que dirige teve instruções da Direcção-Geral do Orçamento para integrar estes activos na sua contabilidade, "o que vai ocorrer na conta de gerência de 2015, aguardando-se ainda a resposta da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças".

O TdC apurou ainda que “foram indevidamente pagas, através do fundo de maneio, despesas que não eram urgentes e inadiáveis”, concluindo que “as demonstrações financeiras assim elaboradas, relativas ao período de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2014, não reflectem de forma verdadeira e apropriada a situação económica, financeira e patrimonial da DGS, não permitindo a formulação de juízo favorável pelo Tribunal”.

Perante estas situações, o TdC recomendou ao director-geral da Saúde um conjunto de medidas, entre as quais a aplicação “dos princípios contabilísticos previstos no Plano Oficial de Contabilidade Pública, em particular o da especialização, registando os proveitos e os custos quando obtidos ou incorridos, independentemente do seu recebimento ou pagamento”.

“Diligenciar pela contabilização das disponibilidades e dos activos financeiros não relevados no balanço” e “providenciar pela correcção dos registos contabilísticos relativos aos bens em utilização no Centro de Atendimento do SNS” foram outras recomendações efectuadas, bem como a “implementação de métodos e procedimentos de controlo interno, de modo a suprir as insuficiências identificadas”.

Segundo o director-geral da Saúde, "as infracções detectadas foram relevadas pelo Tribunal de Contas, pelo que não serão aplicadas quaisquer sanções".

Esta notícia foi alvo de uma carta aberta do director-geral de Saúde

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