Crise no Valência ou o fim de uma bela amizade

A ascensão e queda de Nuno Espírito Santo, o eleito de Peter Lim e Jorge Mendes para treinar o clube espanhol, que não resistiu à contestação dos adeptos e aos sinais de mal-estar no balneário.

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Jose Jordan/AFP

A história do Valência no último ano e meio é a história da amizade entre três homens. Peter Lim, o milionário de Singapura que adquiriu o controlo do clube; Jorge Mendes, o super-agente que ajudou a construir o projecto desportivo; e Nuno Espírito Santo, o primeiro cliente de Mendes e escolhido para treinar a equipa. Durante um ano, estas ligações de amizade fizeram do Mestalla o céu na terra: Lim foi buscar várias dezenas de milhões à carteira para gastar em jogadores representados por Mendes e Espírito Santo guiou a equipa ao quarto lugar na Liga espanhola, garantindo o regresso, dois anos depois, à fase de grupos da Liga dos Campeões.

Mas depois as coisas começaram a correr mal. Os resultados não apareceram, os sinais de mal-estar no balneário tornaram-se evidentes e a contestação dos adeptos foi subindo de tom. Com a equipa em nono lugar no campeonato após 13 jornadas (e a depender de terceiros para chegar aos oitavos-de-final da Champions), Nuno Espírito Santo não viu outra saída que apresentar a demissão. E Lay Hoon, a gestora que Peter Lim colocou na presidência do Valência, já anunciou que o próximo treinador “não terá qualquer relação com Mendes”.

“Isto não é um adeus, é um até breve”, disse ontem Nuno Espírito Santo, na despedida definitiva de Valência. A passagem do treinador português pelo Mestalla durou menos de ano e meio: houve momentos idílicos mas ultimamente tinha-se transformado num suplício, com os cânticos “Nuno vai-te já” a serem uma constante nas bancadas. “Cada jogo no Mestalla deve ser uma festa e não uma oportunidade de contestar o treinador. Não sei se existe ou existiu uma campanha contra mim. Sei é que na apresentação [da equipa] foi uma surpresa que o Mestalla me assobiasse”, assumiu o técnico.

O ponto final para Nuno Espírito Santo chegou com a oitava derrota da temporada (a quarta no campeonato). O Valência perdeu em Sevilha por 1-0, num jogo em que não fez sequer um remate enquadrado com a baliza adversária para amostra, e em que terminou reduzido a nove jogadores. Foi em Sevilha, no Sánchez Pizjuán, que o português fez a estreia oficial enquanto treinador do Valência, em Agosto de 2014 (1-1). E foi no mesmo local que orientou o emblema che pela última vez. A decisão de abandonar o cargo já estava tomada antes da partida, revelaria Nuno Espírito Santo: “Antes do jogo, falei com o presidente e com Peter Lim e tomámos a melhor decisão para o Valência”.

A forma como a saída do técnico foi tratada deixou muita gente intrigada. “Nuno esteve na linha lateral a ver a sua antiga equipa não ser capaz de rematar uma única vez à baliza, sabendo que era a última vez; no campo, os seus jogadores não o sabiam”, escreveu o correspondente do The Guardian em Espanha, Sid Lowe. O comunicado no site oficial do Valência só surgiu no dia seguinte ao jogo em Sevilha e não esclarecia se o treinador português se tinha demitido ou se tinha sido despedido.

As circunstâncias da partida de Nuno Espírito Santo foram semelhantes àquelas da sua chegada a Valência. Ainda antes de formalizada a tomada de controlo de Peter Lim, o português já era anunciado como treinador. “O projecto de Lim implicou o desembolso de 200 milhões de euros, investimento de difícil justificação na maioria das contratações”, escreveu o El País, onde se lia também: “Os adeptos e parte do balneário consideravam que as decisões de Nuno eram marcadas pelo critério de Jorge Mendes, que formou o plantel com futebolistas de escasso reconhecimento e estatuto, pagos pelo clube a um preço elevado, para benefício do próprio Mendes”. “É inevitável que todas as decisões no Valência sejam interpretadas através de Lim e Mendes, ainda que isso nem sempre possa ser justo”, apontou Sid Lowe.

O tema é incómodo para o Valência, como se percebeu nas palavras da presidente Lay Hoon: “Estou farta de falar de Jorge Mendes. Se Jorge Mendes controlasse o clube, Nuno nunca teria saído. Tudo se baseia nos resultados, no rendimento e no esforço [da equipa]. Não acredito que o novo treinador venha a ser alguém relacionado com Mendes”, sublinhou. Esta noite será Salvador González “Voro”, um homem da casa, a orientar a equipa na visita ao Barakaldo, a contar para a primeira mão dos 16 avos-de-final da Taça do Rei. Quem vai estar no banco de suplentes a comandar o Valência no sábado, na recepção ao Barcelona da 14.ª jornada da Liga espanhola, ainda é uma incógnita.

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