Discurso de Passos na íntegra

Discurso de Passos Coelho na tomada de posse do Governo.

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Há quatro anos assumi as funções de Primeiro-Ministro de um governo que tinha pela frente a tarefa maior de salvar o País de um desastre económico e social de proporções inimagináveis. Vivíamos tempos de emergência nacional a que era urgente responder com uma estratégia firme e coerente. Nessa altura, eram muitas as vozes dentro e fora do País que duvidavam das nossas possibilidades. No dia da minha tomada de posse disse que “vivíamos tempos difíceis e mais tormentas ainda nos aguardavam. Mas tínhamos de confrontar os nossos problemas com os olhos bem abertos e afugentar o medo paralisante.”

E foram, de facto, anos duros os que tivemos de enfrentar.

Sabíamos que estávamos a “navegar em mares nunca dantes navegados”, mas nunca deixei de ter a firme convicção de que o País que sempre conheci não falharia.

E não falhou.

Os Portugueses deram uma lição de sacrifício, moderação e esforço colectivo que tão cedo não será esquecida. Toda a Europa o sabe e nós sabemo-lo melhor do que ninguém.

Com muito trabalho e com o sentido máximo das responsabilidades, o anterior executivo que eu liderei foi o primeiro governo de coligação a cumprir integralmente o seu mandato na história da democracia portuguesa.

Foi um governo que fechou importantes acordos na concertação social e com instituições da sociedade civil.

Foi um governo que durante praticamente toda a sua vigência esteve envolvido num intenso e difícil processo de negociação com os nossos parceiros europeus e internacionais.

Foi um governo que participou ativamente na discussão sobre a reforma da União Europeia e do Euro.

Mesmo nestes tempos difíceis, praticámos o diálogo e o compromisso. Esse sentido do compromisso e da negociação será agora renovado e fortalecido, e o meu apelo ao espírito de cooperação e de construção de entendimentos estende-se a todas as forças políticas, cívicas e sociais.

A conjuntura parlamentar, em que a maioria que suporta o governo é relativa, e não absoluta, apenas reforça essa necessidade. Mas ela é ditada, no princípio e no fim, pelos desafios que o País tem pela frente.

Pusemos o País no caminho do crescimento económico, do investimento e do emprego. Recuperámos a credibilidade e confiança externas e resgatámos a autonomia política nacional. Portugal tornou-se um país atrativo para o investimento externo. Virámos a situação cronicamente deficitária das nossas contas externas e agora temos excedentes persistentes todos os anos. Aumentámos as nossas exportações para níveis que nunca tínhamos registado no passado.

E apesar das dificuldades e constrangimentos financeiros, conseguimos ainda atingir resultados importantes na esfera social. Reduzimos significativamente o abandono escolar precoce, ao mesmo tempo que instituímos a escolaridade obrigatória de doze anos. Alargamos significativamente a rede de cuidados de saúde primários, garantimos médico de família a mais 650 mil Portugueses e vimos melhorar os principais indicadores de saúde no País, incluindo taxa de mortalidade infantil, mortalidade prematura ou esperança de vida. Conseguimos também atualizar sempre o valor das pensões mínimas, sociais e rurais.

Com estes resultados lançámos os alicerces de um futuro melhor e é neles que as próximas políticas devem assentar.

Tudo isto resultou de um enorme esforço colectivo, de todos os Portugueses, que em cada dia, com o seu trabalho, com a sua coragem e com a sua moderação, levantaram de novo o seu País. A eles, e aos seus sacrifícios, todos os políticos devem respeito.

Neste contexto, desrespeitar o esforço dos Portugueses traduz-se por pôr em risco tudo o que juntos alcançámos.

E isso eu, enquanto Primeiro-Ministro, nunca farei.

Precisamos, pelo contrário, de acelerar a recuperação económica que dura há já quase 5 semestres. Precisamos de consolidar a confiança e incentivar mais investimento. Precisamos de aumentar a velocidade da criação líquida de emprego.

Na conjuntura interna que se gerou, e no contexto externo tão incerto que nos envolve, estes objectivos nacionais requerem uma política consequente, uma estratégia global e a vontade de continuar a confrontar os problemas que ainda temos pela frente.

Juntos, podemos alcançar esses objetivos e caminhar para um nível mais elevado na nossa democracia. Mas é um caminho estreito. E só quem sabe o caminho que é necessário trilhar pode chegar ao destino que pretende.

Dado que os condicionalismos são apertados, temos de lidar com eles, e não ignorá-los numa vertigem voluntarista. Mas aprendemos custosamente nestes anos que só podemos alcançar o que desejamos começando por trilhar os caminhos necessários. Fizemos esse caminho e recuperámos a confiança e a ambição. São ativos que não podemos desperdiçar. Num contexto em que a incerteza tem um custo tão elevado, em que a confiança rapidamente se destrói e em que a competitividade facilmente se evapora, os desvios precipitados poderiam deitar tudo a perder.

E seriam mais uma vez os Portugueses, os mais desprotegidos e mais vulneráveis – seria uma vez mais a classe média – a pagar o preço, como foi pago no passado.

E isso eu, enquanto Primeiro-Ministro, não permitirei que volte a acontecer.

Para alcançarmos os objectivos nacionais não podemos destruir as bases que já lançámos.

Em primeiro lugar, ter contas públicas certas. Garantir que o défice em 2015 ficará abaixo dos 3 por cento e, portanto, sair do Procedimento por Défice Excessivo, a que estamos sujeitos há vários anos. Menos défice significa mais credibilidade, mais confiança, menos dívida e, o que é muito importante, a perspectiva real de desagravamento fiscal. Reduzir progressivamente a carga fiscal para as famílias e para as empresas tem de constituir uma prioridade política assim que a trajetória das nossas contas públicas for vista, cá dentro e lá fora, como inequivocamente segura.

Em segundo lugar, preservar os excedentes externos que conseguimos nos últimos 3 anos, reduzindo a dívida ao estrangeiro e melhorando as condições do financiamento indispensável à nossa economia. A nossa reputação internacional e o equilíbrio financeiro das famílias e das empresas também se joga aqui.

Em terceiro lugar, estabilizar e monitorizar as reformas estruturais já feitas, e iniciar um novo ciclo de reformas, tirando partido da maior flexibilidade que a autonomia política que reconquistámos nos traz. Depois do maior programa de reformas estruturais da nossa democracia, precisamos de dar tempo de consolidação a essas transformações para que possam dar todos os frutos que delas se esperam. E temos de as avaliar, para fazer os aperfeiçoamentos e correções que possam aumentar e distribuir melhor os seus benefícios. Temos também de completar o ciclo reformista em áreas que exigem instrumentos de reforma que não estavam disponíveis num contexto de profunda crise e ajustamento orçamental.

Minhas senhoras e meus senhores,

Tendo recebido dos Portugueses um mandato claro para governar, aqui assumo hoje, na presença de Sua Excelência o Senhor Presidente da República, a responsabilidade indeclinável de respeitar essa vontade expressa pelos Portugueses.

Sem desvirtuar a matriz de valores que sustenta o programa sufragado pelos eleitores, o governo agora empossado tem ainda o encargo, com humildade, de mostrar abertura ao compromisso leal e responsável que os Portugueses também apontaram como propósito indispensável a assumir por todos os agentes políticos, sociais e económicos para a conformação das políticas públicas.

E hoje, nesta cerimónia de tomada de posse, reafirmo os princípios a que estivemos e estamos vinculados.

O meu governo será regido pelos valores da nossa democracia representativa e constitucional.

Somos fiéis ao projeto da sociedade livre e aberta, da solidariedade e da prosperidade, a que a esmagadora maioria dos Portugueses aspira e que todos merecem. Uma sociedade da dignidade da pessoa, da tolerância, do trabalho e do conhecimento; uma sociedade europeia e atlântica, porque é esse o propósito político fundamental do nosso País nos últimos 40 anos.

Seremos responsáveis perante todos os Portugueses com os seus valores comuns, que nos unem como nação, e que desejam legitimamente uma vida melhor para si, para a sua família e para o seu País.

Persistiremos no cumprimento das nossas obrigações internacionais e no exercício dos direitos e deveres que decorrem da nossa participação plena na União Europeia e na União Económica e Monetária. Esta é uma condição absolutamente indispensável para assegurar o nosso futuro comum com estabilidade e previsibilidade, com mais emprego e mais justiça social. Não há ilusão política que possa disfarçar este imperativo, e ninguém deve arriscar o bem-estar dos Portugueses em nome de uma agenda ideológica ou de ambições políticas pessoais ou partidárias.

A par da aceleração do crescimento da economia e do emprego, da estabilidade das contas públicas e do desendividamento do País, bem assim como de uma agenda promotora da natalidade e de inversão do declínio demográfico, o meu governo define duas grandes prioridades.

Em primeiro lugar, o combate às desigualdades sociais. Não há contradição entre a redução das desigualdades e o reconhecimento dos méritos. Não opomos a redução do fosso entre os mais ricos e os mais pobres à recompensa pelo trabalho e pela criatividade. Pelo contrário, é pela conciliação destes desígnios que se realiza a justiça social. Mas temos de confrontar as assimetrias sociais e territoriais, muitas vezes gritantes, que durante décadas se agravaram em Portugal. As desigualdades resultantes de privilégios injustificáveis continuarão a ser combatidas, como foram nos últimos 4 anos. É por isso que reafirmo o compromisso por uma economia aberta à participação de todos, e não apenas de alguns.

Mas queremos também que os frutos do crescimento económico e das crescentes possibilidades tecnológicas cheguem a todos, segundo a grande promessa democrática da mobilidade social. Isso implica quebrar os ciclos de pobreza e integrar todos numa mesma sociedade de oportunidades. Supõe a transmissão de qualificações reais para os nossos jovens, para que possam trabalhar, encontrar satisfação no seu trabalho e competir na economia global de igual para igual. Exige, por isso, uma nova geração de políticas sociais, com novas abordagens e soluções. Esse é o significado político do Programa de Desenvolvimento Social que iremos implementar.

Em segundo lugar, vamos iniciar uma nova fase da modernização administrativa. Queremos remover os obstáculos que ainda subsistem aos cidadãos, aos empreendedores e aos inovadores. Desburocratizar e descentralizar serão os princípios orientadores para levarmos mais longe a simplificação, a transparência e a eficiência das instituições públicas. Temos de reconhecer que há estruturas, práticas e procedimentos que já não se ajustam aos novos tempos. Com o apoio das tecnologias e com novas ideias, queremos facilitar a vida aos empreendedores, e não penalizá-los. Queremos acelerar os investimentos, e não atrasá-los. É o cidadão que deve estar no centro das políticas públicas e é o Estado que deve organizar-se em função do cidadão. Queremos libertar as iniciativas individuais e colectivas, e não sufocá-las. Queremos, em suma, pôr o Estado ao serviço dos cidadãos, e não os cidadãos ao serviço do Estado.

No governo, seremos os agentes permanentes e incansáveis de uma política positiva, que contraria o medo com a esperança, e o cinismo com o trabalho dedicado ao serviço de todos os Portugueses sem exceção. Combateremos a demagogia com o realismo, e a política negativa com a mobilização para um Portugal mais livre, mais próspero e mais solidário.

Este governo estará ao serviço de todos os Portugueses, mas dará uma atenção especial aos que sentem dificuldades, aos que querem melhorar a sua vida, que querem preparar o seu futuro, que aguardam por mais e melhores oportunidades, aos que trabalham e querem ser justamente reconhecidos pelo seu esforço, aos que inovam contra todas as resistências, aos que não estão protegidos por privilégios que não têm justificação.

Todos devem assumir as suas responsabilidades perante os Portugueses, perante a nossa história e perante o nosso futuro. Todos - na política, na sociedade civil e na economia – são chamados a cumprir o seu dever. Um dever fundamental para com os seus concidadãos, que esperam de nós que estejamos à altura das tarefas que nos aguardam.

Muito obrigado.”

 

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