Clooney's Eleven

A nonchalance da série de filmes de Soderbergh casada com um retrato do estoicismo que esteja à altura do dramatismo da II Guerra: nobre propósito, mas é nele que George se enreda.

George Clooney já mostrou, e basta o exemplo de Boa Noite e Boa Sorte, que não é indiferente como realizador, e que dum filme dirigido por ele se pode esperar mais do que só a ego trip duma grande vedeta a tocar vários instrumentos ao mesmo tempo.


Há alguma idiossincrasia, alguma ambição, nesta sua abordagem da II Guerra, a começar pelo contexto narrativo, que ao que cremos até será inédito: baseando-se num livro “documental” de Robert Edsel, conta a história de um grupo de homens, americanos e ingleses, historiadores de arte, arquitectos e afins, que nos passos finais da II Guerra se juntaram aos exércitos aliados para lhes indicar as preciosidades patrimoniais (igrejas, museus) que se devia tentar evitar bombardear, ao mesmo tempo em que seguiam o rasto das obras de arte confiscadas pelos nazis nos territórios até então ocupados. Idiossincrasia e ambição, também, na estrutura do filme, que troca o pragmatismo linear do “filme de acção” por uma narrativa em episódios, acompanhando a dispersão das personagens por vários pontos geográficos (são um grupo, mas raramente os vemos “em grupo”) e um arco temporal que vai “grosso modo” do desembarque na Normandia ao fim da guerra. É fundamentalmente aí que as unhas de Clooney se revelam curtas, fazendo pensar que talvez fosse melhor ter-se ficado pelo pragmatismo do action movie. O ritmo, as transições entre cenas, o uso da montagem paralela - tudo é bastante mais sensaborão do que o prometido, o que acaba por ter efeitos nocivos sobre as situações narrativas e sobre a própria caracterização das personagens, como se lhes faltasse tempo e espaço para realmente aparecerem e existirem (independentemente de algumas boas ideias de “casting”, como a de dar a Bob Balaban um papel mais proeminente do que as pequenas pontas em que tem aparecido). Não são os Clooney''s Eleven só porque não são onze, mas parece razoavelmente evidente que o realizador/actor está à procura daquela “nonchalance” da série de filmes de Soderbergh, casando-a com um retrato do estoicismo destes homens que esteja à altura do dramatismo da II Guerra sem ser convencionalmente melodramático. Nobre propósito, mas é justamente nele que Clooney se enreda sem encontrar as melhores soluções, ou o melhor tratamento para as soluções que encontra.

E portanto, se há razões para esperar um bom bocado quando se entra para a projecção de Monuments Men, os bocados realmente bons acabam por ser poucos. Os gags com a pronúncia francesa de Matt Damon (maneira divertida de despachar a questão linguística e pôr toda a gente a falar inglês); certos olhares perdidos de Bill Murray num registo que parece estar sempre fora do ritmo do filme; ou, já no final, o monólogo do próprio Clooney perante um oficial alemão, dizendo-lhe que estará a tomar o pequeno-almoço numa “deli” novaiorquina quando ler no jornal a notícia de que o outro foi enforcado por crimes de guerra (é o momento mais elegantemente severo de todo o filme, que nunca atinge, nem aqui, aquela agressividade estrambólica dos Basterds de Tarantino).

Mas por acaso Monuments Men também tem uma cena que demonstra bem uma das coisas que pior vão no cinema americano contemporâneo: uma tremenda falta de confiança no discernimento e na sensibilidade do espectador. Uma personagem, ameaçada por alemães numa igreja de Bruges, põe-se a escrever uma carta, a mesma carta que, em montagem paralela, vemos Clooney a ler. A carta nos planos com Clooney está cheia de manchas de sangue, indicação sucinta, precisa e dramaticamente eficaz do que aconteceu ao autor depois de a escrever. E quando pensamos “uau, Mr. Clooney, bela elipse!”, Mr. Clooney faz-nos engolir os pensamentos ao incluir logo a seguir, tintim por tintim, a cena que a sua primeira ideia tornara redundante.

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