O Fantasma de Errol Flynn (não está aqui)

E parece que chega ao fim a saga do capitão Jack Sparrow. Que já era cada vez menos a saga do capitão Jack Sparrow e mais a saga de não-sei-quantas personagens infinitamente menos interessantes.

O tomo três dos "Piratas das Caraíbas" é ligeiramente, quase microscopicamente, mais ágil earejado do que o tomo dois, mas há tantas personagens a que é preciso decidir um destino, e tantos nós da intriga para deslaçar, que GoreVerbinski praticamente não tem tempo nem espaço para mais nada que para isso, e quanto mais se aproxima do fim mais a narrativa dos "Piratas" denota aquelaartificial sensação de velocidade que se encontra, por exemplo, no episódio derradeiro de umatelenovela, quando tudo se resolve muito depressaapenas porque tem mesmo que ser agora (mas tudose podia continuar a arrastar eternamente).

Havia um lado jovial no episódio inicial, uma revisão/reformulação de um imaginário (a pirataria"clássica") caído em desuso, embora extremamente popular no cinema e na literatura (não apenas"escapistas") de há relativamente poucas décadas atrás. E é evidente que uma ideia de folhetim ou de"serial" passou pela cabeça de Verbinski - mas deixou-a transformar-se numa máquina muito pesada, com demasiada informação a processar, e segue tudo a "trouxemouxe" com uma desagradável sensação de que tanto faz assim ou assado (podia-se aplicar a pergunta que uma personagem faz acerca de Jack Sparrow: "Ele tem isto tudo planeado ou vai inventando à medida que é preciso?").

Dirão que o espírito do cinema de aventuras de outras épocas, ou sua tentativa de recuperação, semantém, e que esse é o fundo de toda a saga dos "Piratas". Mas, justamente, não se mantém, e os"Piratas das Caraíbas" (2 e 3, sobretudo) são uma boa prova de como esse espírito só ilusoriamentefoi recuperado e/ou percebido. Um filme de piratas dos anos 40 não era só as peripécias e a narrativa, eram também os corpos e os seus movimentos, os bailados dos duelos de espadachins, a sensualidade dos rituais "pré-nupciais" entre personagens masculinas e femininas. Um filme de piratas dos anos 20, 30 ou 40 era um filme não apenas "com", mas "sobre", os corpos de Douglas Fairbanks ou Errol Flynn, por exemplo. No primeiro episódio dos "Piratas das Caraíbas" pareceu, por instantes,que a câmara de Verbinski mantinha uma relação dessas com Johnny Depp, por heterodoxa variaçãosobre o modelar pirata clássico que fosse Jack Sparrow. Isso está onde aqui? Em lado nenhum, e ninguém tomou o lugar de Depp: não há corpos, não há movimento (assim como não há espaço nem há tempo).Há agitação, luzes para encandear, ruídos na banda sonora - mas absolutamente nenhum sentido do físico ou de uma qualquer "plasticidade". Uma história paracontar, sim senhor, umas quantas peripécias para desbobinar, com certeza; mas alguma coisa para ver? Àexcepção de meia-dúzia de planos com KeiraKnightley (muito bonita) e dos três minutos comKeith Richards (muito feio), que são as poucas alturas em que alguém se chega à frente e diz "eu estou aqui" de maneira suficientemente convicta para que seja impossível à câmara ignorá-lo, a resposta é "não".

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