Calcanhares de Aquiles

O nome do alemão Wolfgang Petersen entrou nos meandros da indústria americana, depois dos sucessos internacionais de "O Submarino" (1981), uma curiosa reformulação do filme de guerra como do filme-catástrofe, e do sobrevalorizado e datadíssimo "A História Interminável" (1984). Em Hollywood prestou, sobretudo, provas com um interessante "thriller" político, "Na Linha de Fogo" (1995), a dar a Clint Eastwood uma das suas grandes composições minimais dos últimos tempos.

O resto, mesmo tendo em conta o brilho industrial de "The Perfect Storm" (2000), veículo para George Clooney e Mark Wahlberg, nunca mais teve a mesma dimensão: o espelho das limitações da sua intervenção na "modernização" dos géneros podemos, porventura, encontrá-lo no espectacular mas simplista, "Air Force One" (1997), mais um estudo premonitório de ameaças por vir, com Harrison Ford, outro actor carismático na sua galeria de estrelas, na pele de um presidente dos Estados Unidos raptado por terroristas.

"Tróia" constitui um notável esforço de produção, convocando grandes meios, funciona enquanto veículo para uma estrela que ameaça uma certa decadência, Brad Pitt, e parece interessado em refazer a relação com um género, o "peplum", que conheceu novo e insuspeitado fôlego com o enorme sucesso, e consequente "oscarização" de "Gladiador" (2000), de Ridley Scott.

Ora, os calcanhares de Aquiles deste projecto algo megalómano situam-se, precisamente, na escolha de Pitt para interpretar a figura de Aquiles (demasiado sonâmbulo para ser credível como herói de epopeia grega) e na hesitação em aceitar as regras do "peplum", sem tentações para fazer literário e artístico. O mais produtivo de "Tróia" passa, não pela pretendida adaptação de "A Ilíada", da qual apenas seria uma caricatura, mas por uma certa desmesura no tratamento das cenas de batalha ou dos combates entre os heróis. Há momentos de "peplum" puro e duro, irracional e redutor, como nos clássicos italianos para a "persona" de Steve Reeves, por exemplo. "Tróia", como "Gladiador", aliás, fica sempre a meio caminho: por um lado parece aceitar o desconchavo histórico, em nome da acção, do cenário, das cenas de multidão, do espectáculo; por outro, não resiste a insuflar-lhe descabidos sopros épicos, em acrescentar diálogos pseudo-literatos, em aspirar a uma caução clássica de que deveria ter prescindido.

Enquanto peça de fancaria cinematográfica há momentos de puro prazer: o combate na praia de Tróia e no templo de Apolo, a morte de Menelaus, a destruição final de Tróia, ou a morte de Aquiles, com Orlando Bloom, um Páris "super-kitsch", vindo de outras "piratarias", a disparar a sacrossanta seta. No entanto, contra o espectáculo funciona uma excessiva metragem, quase três horas com muitos (demasiados) pontos mortos e um Brad Pitt sem a garra nem o humor que o género requer. O hieratismo sacrificial de algumas sequências, nomeadamente o episódio da morte de Heitor e da visita de Príamo (regresso em forma de Peter O'Toole) ao campo dos Gregos, corta o ritmo de aventura que se havia esboçado no paradigmático duelo entre Aquiles e Heitor.

Entre duas concepções da representação do "histórico", o filme sossobra por causa desta indefinição: com menos uma hora e maior "desvergonha" histórico-literária teríamos um bem razoável "peplum". Assim, corre o risco de não agradar nem a gregos, nem a troianos.

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