Johnny Depp e as suas metades

Caso este "A Janela Secreta" não fosse uma adaptação de uma história de Stephen King e não contasse com a interpretação extravagante de Johnny Depp, provavelmente passaria despercebido. Mesmo assim, a indistinta realização de David Koepp, também responsável pela adaptação, não deixa de lembrar que romances de King encontraram do lado de lá da câmara grandes nomes como Kubrick, Cronenberg, Carpenter, De Palma, ou mesmo Rob Reiner. Não há ideias de cinema e, quando elas existem, ficam-se por meras reminiscências de "déjà vu", variações sobre temas e truques reconhecíveis de outros objectos fílmicos.

O enredo, embora tortuoso, resulta previsível: um escritor encontra a mulher num motel, nos braços de outro homem, e é acusado de plágio por uma estranha personagem (arrepiante composição de John Turturro) que lhe exige um modificação do final de uma história com contornos autobiográficos. Todas as muitas peripécias se vão encaixando, de modo a fazer-nos perceber (já tinhamos percebido desde o início...) que tudo não passa de uma projecção de um "alter-ego", de um pretexto para cumprir uma óbvia vingança. E aqui reconhecemos, de imediato, ecos de outros (melhores) momentos da obra de King, adaptada ao cinema: "Misery" (Reiner, 1990), em que uma fã rapta um escritor para o obrigar a escrever o romance que dele esperaria; "The Dark Half" (1993), de George Romero, mais próximo ainda de "A Janela Secreta", em que um "alter-ego" ficcional pretende eliminar o escritor.

Estes cruzamentos e revisitas poderiam ter até uma certa graça, se não encalhassem numa falta de soluções dramáticas e visuais, afundando-se numa infinita sensaboria. Há um pormenor divertido: o rival de Depp, na história que a sua mente perturbada congemina, aparece com o corpo de Timothy Hutton, precisamente o escritor de "The Dark Half". No entanto, a "coincidência" fica-se por aqui, sem quaisquer desenvolvimentos que ultrapassem a piscadela de olho cinéfila.

Por outro lado, o filme falha a definição e o aprofundamento das personagens secundárias, ou o ambiente da cidadezinha microcósmica. Maria Bello, a intérprete da "mulher infiel", não possui qualquer espessura, Hutton limita-se a gerir um títere sem ponta de credibilidade. Apenas o ameaçador Turturro tem direito a alguma independência de representação. No cômputo geral, "A Janela Secreta" repousa quase exclusivamente no histrionismo algo descontrolado de Depp, arrastando-se pelo filme com os seus roupões cheios de buracos e uma espécie de inércia contagiante, sempre a roçar perigosamente o "overacting", sempre oscilando entre o inexplicável excesso e um disfuncional sonambulismo. Enfim, mais um pequeno "thriller" em piloto automático, para esquecer rapidamente.

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