Diferentes de todo o mundo uni-vos

No princípio era o "comic book" e o "comic book" transformou-se em filme e habitou entre nós. Não era grande espingarda, tecnicamente incipiente, nem tinha o humor do original gráfico. Este regresso, "X-Men 2", também não inventa nada, mas possui a vantagem de se assumir como um divertimento descabelado, recheado de estrelas e aspirantes a estrelas. Nem mais, nem menos.

Na origem do projecto, aparece agora uma espécie de manifesto de defesa do direito à diferença, que poderia constituir perigosa contemporização com o "politicamente correcto". Em vez disso, porém, "X-Men 2" opta por uma aventura, entre o "kitsch" e os códigos da Ficção Científica, com a presença emblemática de figuras do imaginário fílmico, do lobisomem em transformação, Wolverine (Hugh Jackman), ao perturbante Nightcrawler (Alan Cumming), algures entre as gárgulas das catedrais góticas e os monstros do Expressionismo Alemão.

O argumento é inventivo e delirante: um falhado atentado contra o Presidente dos EUA por um mutante levanta a hipótese de aniquilar todos os mutantes ou, mais tarde, em alternativa, de provocar, pelo contrário, a morte dos humanos. Pelo caminho, uma maquineta que identifica as diferenças e localiza os alvos a atingir, "Cerebro" de sua graça, dois cientistas rivais, um bom, o Professor Charles Xavier (Patrick Stewart, imponente, em pose semelhante ao do seu capitão de "Star Trek") e um mau, Magneto, a que o inefável Ian McKellen confere rosto e aquela inconfundível (e tonitruante) voz.

Entre ambos, e manobrando ambos, a personagem desequilibrante, o general William Stryker (Brian Cox a lembrar o Brando-velho), que dá sentido à teoria da conspiração que se perfila por detrás do conflito mais óbvio: a entidade militar provoca o atentado presidencial, afim de justificar a prossecução do plano anti-mutante. No entanto, por muito que consideremos plausível esta dimensão da manipulação do poder, de modo a desencadear perversas vinganças, o centro desta divertida ficção acaba por funcionar no registo da defesa da diferença: étnica, rácica, ou, em última análise, sexual. Por outras palavras, os "normais" sentem-se ameaçados pela excentricidade dos ultradotados mutantes, "capitaneados" pela rainha das transformação, de seu nome, Mystique, capaz de revestir qualquer corpo, voz ou modo de falar. Rebecca Romjin-Stamos (a estrela do fabuloso "Femme Fatale" de De Palma) aproveita para desenvolver o seu "sex-appeal", em rivalidade com a Storm de Halle Berry, condenada após o Óscar a papéis decorativos em filmes de acção.

Esta proliferação de estrelas, um conjunto eficaz de efeitos especiais, um sentido imparável do ritmo torna o "camp" das situações e o ridículo das personagens numa importante mais-valia. Mais do que "X-Men", esta sequela compraz-se na auto caricatura, numa exploração das suas características como filme de culto (vêm à memória obras como "Starship Troopers"): entre as redomas de vidro e as passagens secretas, ou as paredes que não resistem aos corpos virtuais perpassa um imaginário de literatura juvenil que cumpre plenamente a sua função.

Contudo, se ninguém leva a sério as mil peripécias de fuga e salvação, fica, planando sobre o filme como uma sombra letal, a programática defesa da diferença: "X-Men 2" bem pode transformar-se numa bandeira de identidades. Fica, sobretudo, aberta a porta para mais uma sequela, nesta escola de sobredotados, uma espécie de resposta da animação FC, em imagem real, às feitiçarias retrógradas do eterno Harry Potter. Recomendado apenas a quem tiver suficiente sentido de humor para ler em todas as entrelinhas e se divertir sem preconceitos nem complexos.

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