Obsessão

"A Promessa" é o terceiro ensaio de Sean Penn enquanto realizador, depois de "The Indian Runner" (que nunca estreou comercialmente em Portugal) e "The Crossing Guard" / "Acerto Final". Qualquer desses filmes suscitou reacções mistas, e essa ambivalência não parece mudar com "A Promessa". Que, sendo um filme bastante diferente dos outros, conserva as marcas da exibição de uma vontade "artística", menos integradas na estrutura formal do filme (ou pior integradas), mas se calhar ainda mais necessárias por "A Promessa" se inscrever num género específico (o policial) e Penn não querer, manifestamente, subjugar o seu olhar aos códigos desse género - e isso resulta, na maior parte das vezes, em "inserts" um tanto ou quanto desajeitados. Como escreveu, com graça, um crítico americano, "há demasiados planos de pássaros" em "A Promessa".

O filme adapta um romance do escritor suíço Friedrich Durrenmatt, transpondo a acção para a América profunda e rural, neste caso encontrada no estado do Nevada. A história centra-se num polícia (Jack Nicholson) à beira da reforma, que na própria noite de despedida da corporação se vê a braços com um caso (violação e assassínio de uma miúda de 9 anos) que nunca mais o há-de largar - a mãe da rapariga fá-lo prometer que encontrará o culpado, e Nicholson dedicará a reforma a perseguir o cumprimento dessa promessa, tanto quanto ela o persegue a ele.

A narrativa é lançada em "flash-back", pelo que desvendar aqui que a coisa vai correr mal e a personagem se vai perder não equivale a revelar o "fim" do filme - até porque é esse trajecto de perdição, accionado pela fidelidade a uma causa e pelos infortúnios do acaso, que o olhar ácido e pessimista de Penn pretende sublinhar.

Há, no entanto, uma coisa que falha, seja por deficiências do argumento ou por inabilidade da "mise-en-scène" de Penn, e que dinamita o filme inteiro: a obsessão de Nicholson, e os motivos que levam a que a promessa se transforme numa obsessão, passam mal ou não passam de todo - a própria cena com a mãe da miúda que põe tudo em movimento é dramaticamente fraca, equivale a tudo menos a um momento de ruptura, percebe-se mal que "brecha" é que se abre na personalidade de Nicholson (de quem nada sabemos, a não ser que é um solitário e que já foi casado duas vezes).

Que há uma obsessão o filme não se cansa de o dizer, mas é muito duvidoso que encontre maneira de verdadeiramente o exprimir, obrigando a personagem de Nicholson, assim como tudo à volta, a girar no vazio durante o filme inteiro.

Claro que depois - é o que a aproxima "A Promessa" dos filmes anteriores de Penn - há uma história de "recomposição" familiar, através da relação de Nicholson com a rapariga que será a potencial "próxima vítima" e que ele usa como isco, mas nem isso é suficiente forte para se autonomizar ou para se constituir como eixo do filme. Resultado: o filme é esquemático, para não dizer que é mesmo esquelético, e de nada lhe serve ter o melhor Jack Nicholson (leia-se: o mais contido e o mais liberto dos maneirismos da "personagem-Nicholson") de desde há muitos, muitos anos.

Fica o olhar, ainda assim peculiar, de Sean Penn, que mesmo exposto de forma indecisa e relativamente tosca acaba por ser o que distingue "A Promessa" de tanto filme "mainstream" semelhante. Não é melhor, é só um bocadinho diferente.

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