Onde É Que Já Vimos Este Filme?

Guy Ritchie, pai de Rocco, fez um filme (o segundo, na verdade). "Snatch - Porcos e Diamantes" é "Pulp Fiction" com sotaque "cockney". O filme do realizador britânico é tão astuto quanto os seus vilões de classe média. Mas Ritchie não é nenhum Tarantino.

Aparentemente, Madonna goza de larga popularidade junto dos "gangsters": "Adoro este som", ironiza o indomável Bullet Tooth Tony (Vinnie Jones, ex-jogador de futebol britânico, convertido em actor) em "Snatch", enquanto entala um informador mais renitente (Ewen Bremmer, o desajeitado Spud de "Trainspotting") no vidro do seu carro. O que se ouve é a Madonna dos anos 80 cantando "Lucky Star" no auto-rádio.

Já em "Cães Danados", de Tarantino, as qualidades artísticas da cantora de "Like a Virgin" inauguravam a discussão entre um grupo de vilões cromáticos, mas se o segundo filme do britânico Guy Ritchie (o primeiro com estreia comercial nas salas portuguesas - obrigado Madonna e Brad Pitt) revela uma colagem evidente às "pulps fictions" do americano, a referência a Madonna tem outras motivações. Afinal, Ritchie era há bem pouco tempo um ilustre desconhecido até que começou a aparecer nas revistas ao lado de Madonna, ajudando-a a redescobrir os prazeres da maternidade - graças a ele, Lourdes Maria já tem um irmão, Rocco de seu nome.

Desconhece-se se a inspiração terá vindo de "Rocco e Seus Irmãos", de Visconti, mas em "Snatch" também há combates de boxe. E roubos de diamantes. E cães temperamentais. O difícil é juntar tudo, especialmente quando o elenco de vilões parece não ter fim. Vejamos: Turkish (Jason Statham) é um modesto empresário de boxe clandestino metido em roupas finas, auxiliado por um sócio desajeitado, Tommy (Stephen Graham), que encarrega de comprar uma caravana num acampamento de ciganos, onde se cruza com Mickey (Brad Pitt), um inderrubável e tatuado lutador de boxe sem luvas, contratado para entrar num combate viciado sob o comando de um mafioso de dentadura amarelecida e temido pelos seus métodos pouco delicados de se desfazer dos indesejáveis (lançando-os aos porcos).

Paralelamente, outro apreciador das tendências da moda com o fatal vício do jogo, Franky Four Fingers (Benicio Del Toro), passa por Londres a caminho de Nova Iorque, com um diamante de 84 quilates na mala e a notícia acaba por chegar ao imortal russo Boris The Blade (Rade Sherbedgia), que contrata dois vigaristas negros - com um cão recém-adquirido num negócio com ciganos - para assaltarem o ladrão de diamantes, cujo súbito desaparecimento obriga Avi (Dennis Farina) a viajar de Nova Iorque para Londres num piscar de olhos.

À la Tarantino. Ritchie resolve o embróglio, apresentando o elenco numa sequência rápida de "freezes", à la Tarantino em "Cães Danados", e prossegue com uma montagem paralela e vertiginosa, onde os vários sub-enredos acabam por convergir. Sim, o trabalho da câmara é astuto, a planificação é palpitante, o recurso à duplicação do ecrã evoca boas memórias, os "gags" contêm suficiente testosterona para garantir ruidosas gargalhadas, mas a única formulação que o génio inventivo de Ritchie deixa escapar é: onde é que já vimos tudo isto antes?

Se Guy Ritchie quer ser o Tarantino com sotaque inglês (o anterior "Lock, Stock and Two Smoking Barrels", de 1998, tido como uma das estreias mais promissoras no cinema britânico dos últimos anos, também acompanhava as desventuras de um bando de vigaristas), a quem vai buscar maior inspiração, as referências não se ficam por aqui. Apesar do bem-intencionado vocabulário "American-English" - que tem tanto da auto-ironia do humor britânico (descrição de Londres, segundo Avi/Dennis Farina: "Fish n chips, uma chávena de chá, péssima comida, um clima ainda pior, a porra da Mary Poppins: Londres!"), como do encanto grosseiro do calão americano -, o filme de Ritchie deve tanto à dinâmica das séries policiais dos anos 70 e 80 quanto a figuras maiores do "gangster movie", como Scorsese, passando por "Clube de Combate", onde vai buscar Pitt para repetir o mesmo papel de lutador imbatível e tresloucado.

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