Começa por ser um espantoso argumento e corria-se o risco de o malbaratar entregando a realização a um estreante. No entanto, a prática teatral de Sam Mendes confere-lhe um sentido da encenação que convém a um letal filme de câmara com este, que desconstrói o "sonho americano" pelo seu lado mais exposto, o da desagregação da estrutura familiar. Nesta lógica se inscrevem as vigilâncias das personagens umas sobre as outras numa teia de espionagem quotidiana, que a câmara do voyeur regista e expõe. Ao contrário de "Felicidade", um catálogo de aberrações e trangressões avulsas e, por vezes, inconsequentes, "Beleza Americana" unifica as taras e dá-lhes um valor sintomático no tecido social e no imaginário da classe média americana. A personagem de Annette Benning (fabulosa interpretação) representa como poucas a falência do matriarcado americano, enquanto a de Kevin Spacey (a revelar a sua versatilidade absoluta) acentua a vulnerabilidade do masculino em tempo de reformulação dos papéis sexuais. Uma obra adulta, madura, fundamental.
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