Quem apostaria que os Stones ainda andariam cá?

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Banda continua na estrada, após meio século de actividade Foto: Reuters

Passam nesta quinta-feira 50 anos sobre o primeiro concerto dos Rolling Stones. Meio século de uma banda que contrariou as expectativas ao ter a inteligência de jogar a sua sobrevivência nos palcos, onde mantém a fogosidade dos primeiros tempos. Durante o próximo ano, Mick Jagger e Keith Richards comemoram com concertos, um documentário e um livro.

Cinquenta anos é, quase por definição, uma efeméride contrária ao próprio rock’n’roll. O rock faz-se de combustão rápida, de viço, de energia e irresponsabilidade adolescentes, de uma rebeldia e de uma inquietude que não se diriam compatíveis com longevidade. O pavio é habitualmente curto e a intensidade justifica-se por isso. Raras vezes, aliás, os nomes mais marcantes de cada década em matéria de rock costumam sobreviver à década seguinte. Nada há mais decadente numa banda de rock do que assistir à sua decrepitude em directo, ao vivo, em cima de um palco. O rock não foi feito para envelhecer; foi feito para passar o testemunho.

Daí que os Rolling Stones causem perplexidade. Uma banda que resista tanto tempo sem se tornar anedótica ou mero reduto de nostalgia para quem já galgou a juventude e se agarra a essas memórias com unhas e dentes é, na verdade, uma aposta contra todas as probabilidades. Ainda para mais quando os Stones tiveram todos os problemas relacionados com abuso de drogas a que um mito rock tem direito e, em vez de colapsarem perante a situação, perderam um membro importante (Brian Jones) mas não perderam o equilíbrio, mantendo o passo.

Há muito tempo que os Rolling Stones são tal e qual como hoje os conhecemos. Talvez o último assomo de diferença tenha acontecido com Some Girls, em 1978, mas foi a viragem para a década de 70 e a dupla formada por duas obras-primas Sticky Fingers e Exile on Main Street que fixou a sonoridade que Mick Jagger e Keith Richards têm explorado desde então. A única diferença é que, com os anos, o rock dos Stones ficou menos bluesy, mais adaptado a uma sonoridade grandiosa, capaz de encher e convencer estádios. Com notável lucidez, Jagger e Richards foram-se tornando cada vez mais em fenómeno de concerto, gravando espaçadamente originais e atenuando assim aquilo que seria, pela certa, a sensação de ruminação criativa. Nos últimos 15 anos, as edições têm reflectido isso mesmo. Os discos ao vivo ultrapassam largamente as edições de material novo registado em estúdio: A Bigger Bang (2005) e Bridges to Babylon (1997).

Hoje, 12 de Julho, passam 50 anos sobre o primeiro concerto do grupo no londrino Marquee Club – e, portanto, inaugura uma exposição fotográfica na Somerset House, é publicado o volumoso livro The Rolling Stones 50 (na linha de Biography, dos Beatles) e é estreada uma nova versão do logótipo da banda reinterpretado pelo artista plástico Shepard Fairey; mais para o fim do ano espera-se um documentário de Brett Morgen e um grande concerto comemorativo, seguidos de uma digressão em 2013 e, muito provavelmente, um novo álbum. Quer isso dizer que há pouco mais de meio século Jagger e Richards, antigos companheiros de escola, avistaram-se numa estação de comboios em Londres: o primeiro levava discos de Chuck Berry e Muddy Waters (autor da música Rollin’Stone, em que o grupo inglês se inspirou) debaixo do braço, o outro abordou-o por esse gosto em comum. Os Rolling Stones, na verdade, nasciam nesse momento.

De início, seria o cruzamento entre rock e blues a servir-lhes de mote (característica que se mantém ainda), mais os pianos honky tonk de Ian Stewart, a profusão de instrumentos nas mãos de Brian Jones, o baixo de Dick Taylor (que logo deu lugar a Bill Wyman) e um baterista que já ninguém sabe bem quem era - rapidamente substituído por Charlie Watts, homem vindo do jazz. Os Stones não demoraram a estrear-se em disco, em 1964, e a embarcar no frenesim editorial de então, com uma dose elevada de temas alheios a preencher os primeiros registos – de Muddy Waters e Chuck Berry a Jimmy Reed e Solomon Burke. As cabeças estavam cheias dos sons vindos dos Estados Unidos e era essa música de uma intensidade febril que queriam recriar à sua maneira.

Uma cabeça, no entanto, pensava diferente das outras: a de Brian Jones. Se Jagger e Richards lhe davam a conhecer Waters e Berry, Jones trazia para o grupo um background em que os blues estavam umbilicalmente ligados ao jazz. E se a matriz musical estava perfeitamente definida nesses nomes comuns à dupla Jagger/Richards, Jones seria o responsável pelo aventureirismo musical que mais impulsionaria a evolução da banda nos seus primeiros anos. Chegados ao quarto álbum, o brilhante Aftermath, em 1966 – com temas como “Lady Jane” ou “Mother’s Little Helper” –, as composições de Jagger e Richards eram empurradas por Jones para territórios psicadélicos, graças à utilização de instrumentos como o sitar ou o saltério.

A ideia de experimentação dentro dos limites de uma canção colocava nesta altura os Stones a correrem em paralelo com os Beatles. Cada disco representava um excitante salto em frente rumo a sonoridades desconhecidas. Se os Beatles tiveram em 1967 o seu zénite psicadélico em Sgt. Pepper’s, os Stones tiveram-no também com Their Satanic Majesties Request; se os de Liverpool foram até à Índia, Jones foi para Marrocos; se George Harrison tocou com Ravi Shankar, Jones gravou os Masters Musicians of Jajouka. Em seguida, com a dupla Beggars Banquet e Let it Bleed, Jagger e Richards voltavam a controlar a sonoridade do grupo, devolvendo-a a uma orientação blues/r&b e Jones seria remetido para um papel secundário, já meio fora da banda e meio fora do mundo, sendo forçado a deixar o grupo devido aos constantes problemas com drogas e com a justiça – que o impediam de tocar nos Estados Unidos. Morreria pouco depois, em Julho de 1969. Mick Taylor, no seu lugar, gravaria então os essenciais Sticky Fingers e Exile on Main Street, no arranque da década de 70. Nestes quatro discos (Beggars+Bleed+Fingers+Exile) absolutamente preciosos ouve-se, sem dificuldade, pistas para todo o rock que se lhe seguiria nas mais variadas declinações – dos Primal Scream aos White Stripes, de Ryan Adams aos portugueses Wray Gunn, muito do que fazem está aqui devidamente antecipado.

A entrada de Ronnie Wood para o lugar de Mick Taylor, em 1975, juntando-se a Jagger, Richards, Watts e Wyman coincide com a cristalização da sonoridade dos Stones, entregues depois a uma lenta deriva em que, sem abandonarem as mesmas águas de blues e rock, foram carregando mais no rock e aproximando-se da ideia de uma música confortável. Os Stones deixaram então de ser curiosos e aprenderam a ser espelhos de si próprios. A excepção, Some Girls, de 1978, foi a resposta à súbita acusação de conservadorismo por parte do movimento punk. Mas o punk rapidamente se extinguiu e o lugar dos Stones não mais foi posto em causa. Pelo contrário, vingou até a frase inventada pelo marketing ao serviço dos próprios: “a maior banda rock do mundo”.

Só que há algo nesta gente para além de qualquer truque de marketing e que continua a estar intimamente ligado ao espírito rock’n’roll: parecem só estar dispostos a abandonar o palco quando os corpos cederem. Esperemos que daqui por muitos e longos anos.

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