Jihad: episódio 3.0 – o império contra-ataca

O Google está combater o recrutamento online do Daesh com o mesmo método que usa para fazer dinheiro: publicidade direccionada.

Foto
Resgate de víitmas depois de um de muitos confrontos com o auto-proclamado Estado Islâmico, a norte de Alepo AFP/KARAM AL-MASRI

A eleição de Donald Trump nos EUA levantou muitas questões, uma das quais diz respeito ao tipo de informação a que somos expostos. Se há quem sugira que os media devem repensar a abordagem e deixar a bolha em que trabalham, outros apontam o dedo a motores de busca e redes sociais, que dão visibilidade a sites “falsos” em vez de os penalizar e esconder. Um perigo, diz-se, dado que muitos partilham informação sem a ler (para o provar, o Huffington Post montou uma bem-sucedida ratoeira, recorrendo a um título-isco para lançar o alerta).

Uma das propostas mais comuns para tratar o problema é impedir a disseminação destes conteúdos “falsos” (que incluem os das páginas humorísticas) ou tendenciosos. Não é novo: é o que se tem feito com ficheiros protegidos por direitos de autor, conteúdo considerado ofensivo ou extremista de grupos como o Daesh. O policiamento é uma tarefa virtualmente infindável e tem diversos pontos fracos, apesar de a tecnologia permitir, por exemplo, reconhecer um vídeo bloqueado no YouTube e impedi-lo de voltar a ser publicado.

O Google e o Facebook começaram a usar “discretamente” este automatismo no combate ao jihadismo, noticiou a Reuters em Junho. Menos discretas, mas também menos eficazes, foram as tentativas didácticas das autoridades norte-americanas, que produziram vídeos com o único propósito de apontar os malefícios do radicalismo islâmico. O Twitter está numa azáfama constante para barrar perfis de extremistas (360 mil em pouco mais de um ano). No entanto, a deep web e os serviços de mensagens encriptadas continuam a servir de abrigo à propaganda.

A conhecida e propalada desenvoltura da cúpula do Daesh na Internet, cujo contraponto são os vídeos caseiros da Al-Qaeda, preocupa em particular pela capacidade de recrutamento dos “radicais de quarto” que se encontram fora do território ocupado pelos extremistas. Das dezenas de milhares de estrangeiros que chegaram à Síria e ao Iraque para combater nas fileiras do Daesh, acredita-se que uma parte significativa se tenha alistado depois de aliciada online por um discurso inflamado de ódio aos infiéis e reconstrução do califado.

Rebater esse discurso com ponderação tem falhado. É por isso que o Google está a explorar uma abordagem diferente com os seus recursos de sempre. Através da subsidiária Jigsaw, a multinacional começou este ano a testar o Redirect, que usa os perfis criados pelo motor de busca para identificar possíveis extremistas e apresentar-lhes publicidade direccionada – ou, no caso, vídeos em inglês ou em árabe publicados por outros utilizadores no YouTube, e não produzidos de propósito para a ocasião, que rebatem interpretações extremistas do Islão.

Num programa-piloto de oito semanas, o Redirect chegou a 321 mil pessoas, que assistiram a mais de meio milhão de minutos de vídeo a desconstruir o Daesh. O número de cliques nestes “anúncios” é três a quatro vezes maior do que nas campanhas habituais, e quem clica passa duas vezes mais tempo nestes vídeos do que a generalidade dos utilizadores do YouTube, escreveu a revista Wired em Setembro. Ou seja, estão disponíveis para ouvir.

“O que há de especial nesta abordagem é não há nenhum fonte secreta do Google, não há nada que tenhamos feito no código que permitiu que isto fosse possível”, disse esta semana Yasmin Green, a responsável pelo projecto, ao ex-diplomata da Administração Obama, filho de Mia Farrow e agora jornalista da NBC Ronan Farrow. É conteúdo autêntico – que vai de testemunhos de antigos combatentes do Daesh a senhoras a desafiá-los no meio da rua. À Wired, Yasmin Green disse que não se trata de um programa com intuitos securitários. O objectivo é que um debate entre arguentes da mesma fé dê mais frutos. Porque “estas pessoas estão a tomar decisões com base em má ou informação parcial”. Como os eleitores de Trump?

Sugerir correcção
Comentar