Não é só uma gripe

A força hegemónica do pós-modernismo deixou sem proposta e sem capacidade de resposta o reformismo social-democrata.

António José Seguro fez, quarta-feira, uma palestra num almoço do American Club, em Lisboa. O PS teve diversas intervenções de dirigentes e deputados seus durante a semana e o país foi brindado com a maratona oratória de Jorge Lacão no Parlamento, quem sabe se destinada a levar à demissão pelo cansaço a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz. Os socialistas têm a decorrer as conferências programáticas Novo Rumo e vêm apresentando propostas concretas na área da fiscalidade, dos investimentos de fundos estruturais e do apoio social, as quais deverão integrar um futuro programa de governo.

O que é facto é que apesar da actividade política que ocupa os socialistas a imagem que passa para a opinião pública é a de que Seguro não existe como líder, que não tem ideias para o país e que não se impõe como uma alternativa clara de Governo à actual coligação PSD-CDS. Exemplo desta imagem foi a intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI, no domingo em que, a propósito de um SMS que recebeu do líder do PS esclarecendo que não aparecera em público durante uma semana porque estivera com gripe, o antigo líder do PSD aconselhou Seguro, em tom jocoso, a não “engripar” em Maio, quando da saída da troika e das eleições europeias.

A questão não é uma mera piada nem é um problema que se trate com aspirinas e caldos de galinha. Há, do ponto de vista político, uma aparente falta de alternativa. Parte do drama que assola o PS português prende-se com Seguro. Isto é, o secretário-geral do PS não é um líder carismático que transpire convicção política e entusiasme as pessoas. Tanto que, mesmo quando fala e apresenta propostas, parece que não é ouvido e as suas ideias não são levadas a sério.

Mas há uma dimensão desta questão que ultrapassa em muito Seguro e que é também responsável pelo aparente vazio que parece cercar o PS. Refiro-me à crise da social-democracia europeia. O assunto não é novo, tem mais de uma década e prende-se com a falência do projecto de modelo de desenvolvimento apresentado pelos partidos socialistas democráticos nascidos dentro das sociedades capitalistas com a intenção de inspirarem políticas reformistas. Na Europa, distanciaram-se sempre do socialismo real dos países de leste e de concepções de transformação revolucionária da sociedade.

A proposta política da social-democracia assenta num projecto de regulação tendencialmente igualitária da sociedade, e, para além de partilhar com outras ideologias democráticas o princípio do igual tratamento de todos os cidadãos perante a lei e pelo Estado, baseia-se no princípio de que todos os indivíduos têm direito ao bem-estar, o qual é garantido através do direito ao trabalho e através da redistribuição social da riqueza potenciada pela taxação fiscal. Um objectivo que está na base do que é o Modelo Social Europeu e o seu Estado-Providência.

Ora, perante o fim dos regimes comunistas de Leste e a avassaladora onda de pós-modernismo acompanhado da teoria económica neoliberal que tem vindo a dominar a Europa desde há mais de três décadas, tornou-se predominante a ideia de que não é possível manter o Modelo Social Europeu. O raciocínio baseia-se em pressupostos como o do crescimento demográfico na Europa, provocado e associado ao aumento da média de vida e à baixa da mortalidade infantil e natal, assim como à crise de crescimento económico no Velho Continente, fruto da globalização e da desindustrialização da Europa.

A força hegemónica do pós-modernismo deixou sem proposta e sem capacidade de resposta o reformismo social-democrata, o qual tentou durante as duas últimas décadas reagir, mas bebendo influência do neoliberalismo pós-modernista. São exemplos deste condicionamento lideranças governativas como Tony Blair e a sua Terceira Via na Grã-Bretanha, ou Gerhard Schröder na Alemanha. E também de José Sócrates em Portugal.

Uma cedência que em França foi protagonizada, há quase trinta anos, por François Mitterrand e agora por François Hollande, precisamente o líder social-democrata com quem Seguro e o PS português têm dialogado. E agora também na Alemanha o neoliberalismo tem um novo folego dado pelo líder do SPD, Sigmar Gabriel, que integra o Governo em coligação com a CDU de Angela Merkel como ministro da Economia. É ele o responsável por um plano energético novo que pretende abolir os subsídios estatais à política energética verde e que poderá pôr em causa 900 mil postos de trabalho, segundo a Federação da Industria Alemã (PÚBLICO 03/02/2014)

Resta saber se a social-democracia vai ser capaz de encontrar um novo equilíbrio doutrinário e recriar uma proposta reformista de sociedade ou se vai apenas continuar a mimetizar o statu quo do capitalismo financeiro.
 

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