A importância das clarificações

É bom que os partidos que concorrem às legislativas clarifiquem as suas propostas e esclareçam o tipo de opções que pretendem fazer.

O primeiro-ministro e líder do PSD, Pedro Passos Coelho, recuperou a ideia de baixar os custos do trabalho em Portugal como forma de incentivar o investimento e inscreveu esta medida no Pacto de Estabilidade e no Plano Nacional de Reformas.

Não é ainda o programa eleitoral do PSD que está a ser elaborado, mas o facto de se tratar de documentos que enquadram as orientações previstas até 2019 faz com que as medidas que contêm se dirijam à próxima legislatura – o que torna legítimo concluir que Passos Coelho irá ter esta medida como linha orientadora do programa de governo que apresentará às legislativas deste ano. Tal como a proposta também incluída no PE e no PNR de redução gradual da carga fiscal que cresceu com a política de austeridade.

Desde o primeiro momento, o Governo assumiu que esta baixa do custo do trabalho deverá ser concretizada através da baixa da TSU paga pelas empresas. Mas explicou que não insistirá na contrapartida da subida do valor da mesma TSU paga pelos trabalhadores, como foi tentado em Setembro de 2012 e acabou por trazer às ruas a maior manifestação dos últimos anos, com cerca de um milhão de pessoas a protestarem a nível nacional. Agora, o benefício fiscal às empresas resulta numa baixa de receita para a Segurança Social que garante a reforma dos trabalhadores, sendo por esta via que se diminui os encargos empresariais com o trabalho – ou seja, os trabalhadores poderão ser prejudicados no valor das suas reformas.

O Governo advoga que o aumento do investimento trará mais emprego e que assim compensará o financiamento da Segurança Social agora abalado com a diminuição das receitas da TSU. Por agora, esta tese de justificação da medida é apenas uma previsão. E é até estranho que o Governo, que há bem pouco tempo insistia na necessidade de o PS aceitar reformar a Segurança Social, precisamente para tornar viável o futuro deste serviço público que é um dos pilares do Estado social, proponha agora um corte no seu financiamento.

A proposta de Passos Coelho tem, contudo, um imenso mérito: o de clarificar o enquadramento ideológico em que o Governo continua a mover-se e em que o primeiro-ministro se inspira e filia. Em democracia, todos têm direito às suas convicções e é importante que os agentes políticos assumam a sua orientação ideológica, clarifiquem as suas posições, no fundo, digam ao que vêm. É por isso de saudar que Passos Coelho tenha clarificado que continua a defender que na sociedade portuguesa os custos do trabalho devem descer, mesmo depois da redução que já foi aplicada ao valor do trabalho. Assim os eleitores sabem com o que contam.

É bom lembrar que há quatro anos, embora tenha dito uma coisa e feito outra no que toca a subida de impostos e a quebras salariais, Passos disse ao que vinha, ao defender antes das legislativas de 2011 uma revisão constitucional que permitisse uma reforma mais ampla e radical do Estado. E que isso não impediu que os eleitores dessem o primeiro lugar nas urnas ao PSD.

No ciclo que se segue à intervenção da troika, é sabido que Portugal está profundamente condicionado no caminho a seguir e na gestão governativa a fazer. Há um espartilho estabelecido pelo que são as normas do tratado orçamental e pelos compromissos de pagamento da dívida pública. É estreito o espaço que existe para inovar, assim como é reduzida a folga financeira que permite tentar criar alternativas. É também notório que os partidos do sistema que dominam as maiorias de poder em Portugal e na Europa não estão interessados em encontrar um caminho realmente alternativo.

E, neste domínio, é evidente que há duas grandes opções que se contrapõem. De um lado, uma aposta de governação em que usa a almofada financeira dos orçamentos para apostar no financiamento dos serviços públicos que melhoram a qualidade de vida das pessoas, bem como na subida do valor do trabalho. Do outro lado, a aposta no benefício das empresas.

É por isso que é bom que os partidos que concorrem às legislativas clarifiquem as suas propostas e esclareçam o tipo de opções que pretendem fazer. E neste domínio o facto de Passos Coelho incluir no Pacto de Estabilidade e no Plano Nacional de Reformas a ideia de baixar os custos do trabalho é uma clarificação importante de que opta pelo apoio às empresas em detrimento do apoio às pessoas.

É verdade que os defensores desta linha político-ideológica argumentam que o apoio às empresas acaba por reverter a favor das pessoas, pois as empresas geram riqueza para todos. O problema que se coloca é o de perceber por que é que em Portugal nas últimas décadas isto nunca aconteceu e por que é que o benefício às empresas não trouxe o prometido desenvolvimento económico. Pelo contrário, a realidade orçamental e financeira do país chegou ao buraco a que chegou.

Jornalista; sao.jose.almeida@publico.pt

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