Presidente de Itália quer congelar a crise e prepara governo provisório

Estratégia de Mattarella visa evitar eleições antecipadas em poucos meses. Para já, quer que todos os envolvidos se portem à altura da crise. Renzi aceita adiar por uns dias demissão.

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Renzi quando já tinha anunciado a sua demissão ao país Andreas Solaro/AFP

Matteo Renzi anunciou a sua demissão aos italianos hora e meia depois do encerramento das urnas, no domingo, mas deixou-se convencer pelo Presidente a adiar por uns dias a concretização desse anúncio.

Com a dimensão da derrota do primeiro-ministro, que viu a reforma constitucional a que uniu o seu futuro, chumbada em referendo por 59,1% dos eleitores, é difícil acreditar que sobre margem para Renzi ser reconduzido à frente de um executivo. Esse era o plano A do chefe de Estado, Sergio Mattarella.

“São compromissos e prazos cujo respeito as instituições devem assegurar em qualquer caso”, disse Mattarella a Renzi no primeiro encontro do dia, em referência ao Orçamento para 2017, já aprovado na Câmara dos Representantes mas ainda por votar no Senado. Entre os dois encontros, Renzi presidiu a um conselho de ministros onde se esperava que formalizasse a demissão. Adiou esse momento. “Faço-o por sentido de responsabilidade e de Estado”, afirmou, regressado ao Palácio do Quirinale, sede da presidência.

Os italianos agradecem e Bruxelas também. Os eleitores que chumbaram a reforma fizeram-no por razões distintas, numa campanha em que toda a oposição esteve contra Renzi, Movimento 5 Estrelas, à cabeça, mas à qual também se juntaram personalidades como o ex-chefe de governo do centro-esquerda, Massimo D’Alema, ou Mario Monti, o economista ex-comissário europeu que já liderou um governo de tecnocratas em Roma.

Não se prevê que o voto do Orçamento no Senado demore; anuncia-se que terá lugar “dentro de dias”. A reunião da direcção do Partido Democrático, de Renzi, marcada para debater o pós-referendo foi entretanto adiada de terça para quarta-feira. E há alguns (poucos) analistas que ainda admitem um cenário em que Mattarella convença Renzi, depois de se demitir, a regressar ao Parlamento para se submeter a um voto de confiança e verificar se mantém a maioria.

É uma hipótese teórica, não passa disso. Renzi, que ainda não foi eleito (sucedeu a Enrico Letta depois de um voto no interior do partido, em que lhe retirou a confiança), tem muito mais a ganhar com o afastamento do poder. Só assim ganha tempo e balanço para preparar o seu regresso, desta vez, espera, confirmado pelo voto da maioria dos italianos em eleições legislativas.

Aliás, seria muito complicado Renzi recuar, independentemente do “sentido de Estado”, depois de tudo o que disse na noite eleitoral. "Na política italiana nunca ninguém perde. Depois de uma eleição, pode ganhar-se ou não, mas nunca ninguém assume ter perdido”, afirmou. "Eu perdi. Toda a responsabilidade é minha.” A oposição também dificilmente o toleraria. A derrota foi clamorosa, Renzi anunciara que se demitira se perdesse e os dirigentes dos principais partidos, do Movimento 5 Estrelas à Liga Norte, passando pelo Força Itália, de Silvio Berlusconi, repetem a cada oportunidade que está “acabado” enquanto clamam por eleições.

O que ninguém quer

Ora, a verdade é que nenhum destes partidos quer realmente participar em legislativas de imediato. Nem o 5 Estrelas – o movimento anti-partidos de Beppe Grillo que quer referendar a presença de Itália no euro –, que mais surge a defender este cenário, admitindo até que se pode ir a votos com a actual lei eleitora, a Italicum, em vigor desde Julho, quando foi aprovada pelo Parlamento. “Os italianos devem ser chamados às urnas o mais rapidamente possível”, escreveu Grillo no seu blogue. “O mais rápido, realista e concreto é utilizar uma lei que já existe.”

Essa hipótese não é real – e até Grillo o sabe. Pensada para complementar a reforma que os italianos acabam de enterrar, a Italicum só regula a eleição para a Câmara dos Deputados, reforçando o prémio de maioria e assegurando ao vencedor 54% dos lugares. De fora ficou o Senado, que na Constituição revista perderia poder legislativo e manter-se-ia como câmara simbólica com responsabilidades muito específicas e sem membros eleitos. Para além disso, o Tribunal Constitucional está prestes a decidir sobre a legalidade desta lei.

Silvio Berlusconi, que acaba de regressar à política activa depois de um afastamento por razões de saúde, nem sequer poderia ser candidato às legislativas se estas acontecessem em breve. Na verdade, o líder da direita nem poderá apresentar-se em 2018, quando está prevista a nova ida às urnas, já que quando foi expulso do Senado por delito fiscal ficou inabilitado para ocupar cargos públicos até 2019 (aguarda recurso).

Cenários possíveis

O que o 5 Estrelas, considerado o grande vencedor do referendo por ter liderado a campanha do “não” (e o mais bem colocado nas sondagens para disputar a governação com o centro-esquerda do PD), realmente deseja é que o actual governo permaneça em funções, ocupando-se de gerir os assuntos correntes. Entretanto, caberia ao Parlamento fazer aprovar uma nova lei eleitoral para a Câmara e para o Senado.

Sem “Renzi bis”, o que sobra a Mattarella é esta alternativa ou, mais provável, a escolha de uma figura para liderar um governo de transição, pelo menos até haver acordo parlamentar a nova lei. Fora da mesa está também a hipótese “governo técnico puro”. Nem o Presidente o deseja, nem a oposição o admite – na verdade, a recusa deste cenário será o mais próximo de um consenso que existe hoje na classe política italiana, com todos a recusarem cenários já experimentados, como o governo liderado por Monti (2011-2013). E se o encargo principal é supervisionar a elaboração de uma lei, então é de um governo político que se trata, defende-se.

Na hipótese pouco provável de Mattarella não nomear um sucessor para Matteo Renzi, nunca haveria eleições antes da Primavera. No cenário mais verosímil, pode acontecer a formação de um governo para liderar os destinos do país até 2018, completando o que sobra de legislatura, ou apenas durante o tempo necessário para desbloquear a lei eleitoral e marcar uma nova ida às urnas.

O que o Presidente que acaba de congelar a crise por poucos dias quer é que “o clima político seja marcado pela serenidade e respeito recíproco”. Mesmo porque a participação dos italianos no referendo, de 68%, “testemunha uma democracia sólida, de um país apaixonado, capaz de participação activa”.

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