Quem se colou ao Syriza perde, a maioria ganha e PS pode beneficiar do voto útil

Socialistas aconselhados a rever a estratégia presidencial.

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Passos Coelho e António Costa Miguel Manso

Apesar de nem tudo estar decidido, o acordo da madrugada desta segunda-feira do Eurogrupo – que ainda tem de ser submetido aos votos do Parlamento de Atenas quarta-feira –, tem leituras políticas em pré-campanha eleitoral. Ainda que nem tudo esteja claro – Ângela Merkel, Passos Coelho e Matteo Renzi falam de decisão por unanimidade –, politólogos e especialistas contactos pelo PÚBLICO arriscam uma síntese. Quem se colou ao Syriza perde, a maioria que fez do cumprimento do memorando uma inevitabilidade ganha e, na desforra dos acontecimentos, o PS ainda pode beneficiar do voto útil. Com consequências para as presidenciais.

“O PS tem um problema maior como todas as clientelas dos partidos que gostam de gastar, somos soberanos no nosso rectângulo, mas, afinal, a soberania termina em Badajoz”. É desta forma irónica que António Nogueira Leite, catedrático de Economia da Universidade Nova de Lisboa situa o problema, sem dramatismos. “Não estou a ver nenhum líder português a fazer o que Alexis Tsipras [primeiro-ministro de Atenas] não conseguiu fazer”, destaca.

“Se este for o acordo da Grécia com Bruxelas até às legislativas portuguesas, o que não é certo, é uma derrota dos que não se demarcaram do Syriza em Portugal, PCP, BE e Tempo de Avançar, pois trata-se de uma capitulação de Tsipras para ficar no euro”, afirma Marina Costa Lobo, investigadora do Instituto de Ciências Sociais. A especialista não esquece os imponderáveis de uma agenda que passa pelo Parlamento grego e desagua em nova negociação para um terceiro resgate avaliado em 86 mil milhões de euros.

“A trajectória do Syriza foi um desastre, em cinco meses levou à humilhação da Grécia e, agora, foram encostados à parede”, opina José Manuel Leite Viegas, director do mestrado de Ciência Política no ISCTE-IUL. “Ou aceitam as condições e é mau, ou não aceitam e é péssimo, é evidente que a situação é dura e o bom senso ficou de lado”, observa. Conclusão: “Quem se colou demasiado ao Syruza não ficou bem na fotografia”, afirma.

“Faz parte do acordo haver uma grande nebulosa, a Grécia já tem patins mas continuará na zona euro até Novembro/Dezembro”, prognostica Carlos Gaspar. Um horizonte coincidente com as legislativas do Outono e o arranque das presidenciais. “Depois, logo se vê”, refere o investigador do IPRI [Instituto Português de Relações Internacionais]. Como o mesmo especialista já indicara ao PÚBLICO, é a primeira vez desde 1975 que a política interna portuguesa é condicionada por um acontecimento externo.

“A cedência grega reforça a ideia de que não há alternativa, apesar de o Governo de Atenas ter o respaldo de um referendo”, assinala Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro. Por isso, todos os especialistas admitem que o actual Governo e a maioria PSD/CDS que o apoia estão confortáveis. “A coligação vai insistir que as medidas tomadas em Portugal não tinham alternativa”, destaca Jalali.

“A coligação vai dizer que nunca foi a favor da expulsão”, antevê Carlos Gaspar. “Para o Governo é um trunfo que vai ser utilizado nas entrelinhas, talvez não demasiado porque fica mal fazer pouco dos outros, mas vão tentar colar o PS ao que definem como caminho de aventura, apesar do programa dos socialistas não ser o do Syriza”, pondera Leite Viegas. “Acho que a decisão de Bruxelas foi um doce para a campanha da maioria”, reconhece Nogueira Leite. ”Há que reconhecer que Passos Coelho e a coligação saem fortalecidos porque sempre disseram que não era possível fazer frente à Europa”, admite Marina Costa Lobo.

A posição do principal adversário da maioria, o PS, não é encarada de forma tão unânime. Há nuances. “O PS vai ter de avançar com uma explicação defensiva, enquanto a coligação vai usar o caso grego como arma ofensiva”, sustenta José Manuel Leite Viegas. “Admito que os socialistas se foquem no consenso [referido como base da decisão da madrugada de ontem] e partam para a defesa de um novo quadro-europeu”, estima Carlos Jalali. “O PS terá de ter um discurso mais homogéneo, pois as suas propostas são mais afectadas”, pontualiza Nogueira Leite.

“Dada a conjuntura, este resultado é o menos mau para os socialistas, o complicado seria o fim da Grécia no euro, a expulsão”, contrapõe Carlos Gaspar. “O PS salva-se por agora, é uma espécie de quadradura do círculo até a realidade demonstrar que não há uma quadratura num círculo, é uma questão de três meses”, sublinha o investigador do IPRI. “De algum modo, é favorecido o voto útil no PS porque os pequenos partidos que estiveram ao lado do Syriza ficaram esvaziados”, afirma Marina Costa Lobo.

A investigadora do Instituto de Ciências Sociais vê para além das legislativas. “O PS devia repensar não ter candidato próprio às presidenciais, António Sampaio da Nóvoa é candidato de uma coligação de esquerda crítica à Europa, enquanto o partido de António Costa tem oportunidade de apelar ao voto útil europeísta”, sintetiza Marina Costa Lobo. “O episódio do fim-de-semana valoriza os moderados, os centristas, em detrimento das alas mais à esquerda do PS, a derrota do Syriza deve levar o PS a repensar a estratégia presidencial”, conclui. 

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