Europeus e americanos divididos sobre entrega de armas à Ucrânia

Angela Merkel diz não ter certeza que iniciativa diplomática será bem-sucedida, mas avisa que não há uma solução militar para o conflito. Poroshenko foi a Munique pedir apoio militar para travar ofensiva rebelde no Leste.

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Petro Poroshenko com os passaportes russos que disse terem sido encontrados em território ucraniano Michael Dalder/Reuters

Nos bastidores, as conversas e os telefonemas sucedem-se ao ritmo da urgência com que todos sentem ser preciso impedir que o conflito no Leste da Ucrânia se transforme numa guerra com efeitos imprevisíveis para toda a Europa. Mas em público trocaram-se avisos e, nas últimas horas, ficou clara a divisão entre os ocidentais sobre a entrega de armas ao Exército ucraniano – decisão que está a ser ponderada por Washington, mas que os europeus receiam escancare a última porta para um confronto directo com Moscovo.

“Não posso imaginar uma situação em que um Exército ucraniano mais bem-equipado leve o Presidente [russo, Vladimir] Putin a ficar de tal forma impressionado que se convença que vai ser derrotado militarmente”. A conclusão é da chanceler alemã, Angela Merkel, que no regresso da visita a Moscovo, quis lembrar aos “falcões” norte-americanos os riscos de enviar equipamento militar a Kiev para combater uma força que, assegura a NATO, está a ser apoiada e armada pela Rússia.

Na conferência de segurança de Munique, dominada pelos acontecimentos no Leste da Ucrânia, Merkel não revelou em que ponto está a iniciativa diplomática que lançou em conjunto com o Presidente francês, François Hollande, e que os levou a visitar Moscovo e Kiev com o propósito de ressuscitar os acordos de Minsk, que em Setembro abriram caminho a um cessar-fogo, nunca respeitado e definitivamente enterrado no início deste ano. “Não é certo que as negociações sejam bem-sucedidas”, afirmou, reconhecendo “não ter garantias de que Putin faça o que se espera dele”.

Fez, no entanto, questão de se colocar no campo oposto aos que dizem que o Exército ucraniano precisa de mais meios para repelir a ofensiva lançada nos últimos dias pelos separatistas pró-russos na região de Donestk. “O envio de mais armas não vai gerar o progresso que a Ucrânia precisa”, sublinhou, antes de acrescentar: “Este conflito não pode ser resolvido militarmente”.

Nem todos os dirigentes europeus foram tão claros na sua oposição ao envio de armas, mas no continente somam-se receios de que o gesto Kiev não seja suficiente para dar vantagem ao Exército ucraniano e apenas sirva para justificar uma intervenção directa da Rússia na guerra – aproximando o cenário de uma guerra transfronteiriça na Europa.

No campo oposto – onde estão dirigentes da NATO, a oposição republicana e cada vez mais membros da Administração Obama – insiste-se que não é possível “continuar a fechar os olhos” ao apoio cada vez mais musculado de Moscovo aos separatistas. “A situação está a agravar-se e temos que responder a esse agravamento”, disse, em Munique, o general norte-americano Philip Breedlove, comandante supremo da NATO, sublinhando que “ninguém deve excluir à partida a possibilidade de uma opção militar”.

Mas Merkel ouviu também críticas abertas, como as do senador republicano Lyndsey Graham, um dos falcões do Congresso norte-americano, que a acusou de fechar os olhos à indisponibilidade de Putin para pôr fim às ingerências e de recusar o pedido de ajuda “de uma democracia em dificuldades”. “Uma diplomacia sem armas é como música sem instrumentos”, acrescentou o antigo ministro da Defesa britânico, Malcolm Rifkind.

Presente na reunião, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, acusou os ocidentais de ignorarem as atrocidades cometidas pelos nacionalistas ucranianos e avisou que os que “querem encher a Ucrânia de armas e colocá-la na NATO” estão apenas a contribuir para “exacerbar a tragédia” que se vive no país.

Passaportes russos em Munique
Os que defendem a entrega de armas a Kiev partem da mesma avaliação que levou Merkel e Hollande a anunciar, quinta-feira, o inesperado forcing diplomático – a ofensiva rebelde para conquistar Debaltseve, um importante nó ferroviário que permitiria ligar Donetsk a Lugansk, os dois bastiões dos separatistas. A cidade continua na mão do Exército, mas está quase totalmente cercada pelos rebeldes, e Kiev assegura que o próximo alvo é Mariupol, o estratégico porto no mar de Azov.

Ambos os campos assumem que o Exército não tem meios para travar durante muito mais tempo o engrossar das forças adversárias, um diagnóstico que o Presidente Petro Poroshenko não desmentiu em Munique. “A questão ucraniana vai continuar por resolver enquanto os políticos da Europa e de todo o mundo não fornecerem um sólido apoio à independência da Ucrânia – política, económica, mas também militarmente”, disse o chefe de Estado ucraniano. Reforçou os seus argumentos exibindo da tribuna passaportes russos que disse terem sido encontrados em território ucraniano. “São de soldados e oficiais russos que entraram no nosso país. É a melhor prova da agressão e da presença das tropas de Moscovo em solo ucraniano”.

Antes, Poroshenko tinha-se reunido a sós com o vice-presidente norte-americano, Joe Biden, que não deixou adivinhar se Barack Obama se inclina ou não para a opção militar. “Não acreditamos que haja uma solução militar, mas também não acreditamos que a Rússia tenha o direito de fazer o que está a fazer”, disse, revelando apenas que os EUA vão continuar a “apoiar a segurança da Ucrânia, não para encorajar a guerra, mas permitir que ele possa defender-se”.

Não se espera que o Presidente norte-americano tome uma decisão antes de receber, na segunda-feira, a chanceler alemã, que se desloca a Washington depois de, no domingo, participar numa conferência telefónica com Hollande, Putin e Poroshenko. Uma fonte próxima do Presidente francês revelou que, para ressuscitar os acordos de Minsk, é preciso ultrapassar importantes divergências, como a definição da linha de cessar-fogo ou o estatuto dos territórios agora controlados pelos separatistas. “Se não chegarmos a acordo, vamos continuar as discussões, mas não temos muito tempo”, admitiu o responsável depois de, durante a manhã, Hollande ter descrito a iniciativa franco-alemã como uma das “derradeiras tentativas” para evitar o pior. “Se não conseguirmos um acordo de paz durável, sabemos perfeitamente qual vai ser o cenário. Tem um nome. Chama-se guerra”.

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