EUA admitem enviar armamento para apoiar Exército ucraniano

Responsáveis políticos e militares assumem que a Casa Branca está a estudar o envio de sistemas de mísseis e outro tipo de armamento para reforçar o Exército ucraniano.

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MANU BRABO/AFP

A guerra na Ucrânia caminha a passos largos para mais um momento decisivo – talvez o mais decisivo desde o seu início, em Abril do ano passado –, depois de altos responsáveis norte-americanos terem começado a sublinhar a ideia de que todas as opções estão em cima da mesa, incluindo o envio de mísseis anti-tanque e outro tipo de armamento militar para o Exército ucraniano.

As notícias de um eventual endurecimento da posição norte-americana têm-se multiplicado desde domingo, quando o jornal The New York Times deu conta de que a NATO e o Conselho de Segurança Nacional norte-americano começaram a desviar-se ligeiramente do anterior discurso oficial.

Até agora, a Casa Branca frisava que não havia alternativas a uma solução pacífica para a guerra na Ucrânia, mas nos últimos dias a mensagem passou a ser outra: os Estados Unidos preferem uma solução pacífica, mas estão sempre "a avaliar outras opções que possam abrir espaço a uma solução negociada para a crise", disse Bernadette Meehan, porta-voz do Conselho de Segurança Nacional norte-americano.

Desde domingo, vários jornais e estações de televisão nos Estados Unidos têm publicado notícias que apontam no mesmo sentido, baseadas em declarações de responsáveis militares e da Administração Obama proferidas sob anonimato.

O que está em causa é o aumento e a diversificação do apoio ao Exército ucraniano por parte dos Estados Unidos – até agora, Washington tirou 118 milhões de dólares do bolso para equipar as forças de Kiev com equipamento não-letal, desde binóculos com visão nocturna a material de comunicação, mas o Governo ucraniano tem exigido muito mais.

De acordo com a CNN, essa ajuda militar incluiria o envio de sistemas de mísseis anti-tanque, anti-aéreos e anti-morteiro, e o The Wall Street Journal acrescenta metralhadoras, outro tipo de armamento individual e munições.

Risco de guerra por procuração
As diferenças no discurso norte-americano parecem ser subtis, mas a intenção fica mais clara quando se começa a desconstruir as declarações dos últimos dias.

Na segunda-feira, a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Jen Psaki, foi confrontada com uma torrente de perguntas sobre a Ucrânia na conferência de imprensa diária.

Os jornalistas tentaram que a responsável comentasse um raciocínio feito a partir dos desenvolvimentos no terreno: se os Estados Unidos têm afirmado que as sanções económicas aplicadas à Rússia estão a cumprir o seu objectivo (que era o de conter a influência de Moscovo), o facto de agora admitirem fornecer material militar ao Exército ucraniano não contradiz essa ideia?

"Não", respondeu a porta-voz do Departamento de Estado. "Sempre encarámos as sanções como apenas uma das ferramentas que podemos usar (…) Há muito tempo que discutimos este assunto e continuamos a reforçar o tipo de assistência que fornecemos."

Os desenvolvimentos das últimas semanas na frente de combate, no Sudeste da Ucrânia, apontam para um reforço da capacidade militar dos separatistas pró-russos – fortemente apoiados pela Rússia, segundo a NATO, os Estados Unidos, a União Europeia e outros países como o Canadá e a Austrália; ou reforçados por alguns combatentes voluntários russos, segundo a Rússia.

Esses avanços no terreno são admitidos pela própria NATO e pelos Estados Unidos, e é essa nova realidade que tem levado os responsáveis norte-americanos a frisarem em cada nova declaração que tudo está em aberto, apesar de dizerem que a prioridade continua a ser uma solução pacífica.

"Penso que ninguém quer envolver-se numa guerra por procuração com a Rússia", disse a porta-voz do Departamento de Estado norte-americano. "O nosso objectivo é mudar o comportamento da Rússia. Foi para isso que aplicámos as sanções. Sem dúvida que queremos ajudar a Ucrânia e o seu Governo soberano a prosperar e a concluir este período de transição. Não foi tomada nenhuma decisão. Estou apenas a constar o facto de que, como é evidente, reservamo-nos o direito de equacionar uma série de opções", sublinhou Jen Psaki.

A agência Reuters avança que a ideia de enviar "ajuda militar letal defensiva" para Kiev está a ser "reavaliada"; a Associated Press estima que essa decisão não deverá ser tomada nos próximos dias, mas diz que a avaliação em curso foi motivada pelo "recente pico de violência" no Sudeste da Ucrânia, em particular em Donetsk (controlada pelos separatistas pró-russos) e Mariupol (controlada pelas forças de Kiev), as duas maiores cidades da província de Donetsk.

Pressão para reforçar Kiev
A questão do reforço da ajuda militar à Ucrânia deverá ser um dos temas a discutir durante a visita a Kiev do secretário de Estado norte-americano, John Kerry, marcada para quinta-feira, no mesmo dia em que os ministros da Defesa dos membros da NATO se reúnem em Bruxelas.

Ninguém sabe se dessas reuniões vai sair a decisão de reforçar o músculo militar de Kiev – e muito menos qual será a resposta da Rússia se isso acontecer –, mas é clara a pressão para um maior envolvimento norte-americano na guerra na Ucrânia.

Um relatório divulgado na segunda-feira, preparado por oito antigos responsáveis norte-americanos em nome dos think tanks Atlantic Council, Brookings Institution e Chicago Council on Global Affairs, defende que os Estados Unidos devem desbloquear três mil milhões de dólares em ajuda militar a Kiev até 2017. Entre os nomes que assinam o documento está o de Michèle A. Flournoy, subsecretária da Defesa no primeiro mandato de Barack Obama e apontada como próxima secretária da Defesa se Hillary Clinton se candidatar e vencer as eleições presidenciais em 2016.

"Se adiarmos uma decisão, o preço a pagar pelo Ocidente vai continuar a aumentar", lê-se no documento. "O Ocidente tem de reforçar a dissuasão na Ucrânia, aumentando os riscos e os custos em que a Rússia incorrerá se lançar uma nova ofensiva em larga escala. Isto implica enviar ajuda militar directa – em quantidade muito maior do que tem sido enviada até hoje, e incluindo armamento defensivo letal."

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