“Pontos sensíveis” de França patrulhados por dez mil militares

Cinco mil polícias vão reforçar segurança nas escolas judaicas do país. Kerry desloca-se a Paris na sexta-feira. Governo calcula que estejam 1400 franceses na Síria e no Iraque.

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Militares vão reforçar segurança de "pontos sensíveis" em França Eric Gaillard / Reuters

Dez mil militares vão reforçar a segurança de “pontos sensíveis” do território francês a partir de terça-feira, anunciou o ministro da Defesa, Jean-Yves Le Drian, que sublinhou que as “ameaças continuam presentes”. A segurança das mais de 700 escolas judaicas do país e lugares de culto vai ser assegurada por cinco mil elementos das forças de segurança, de acordo com o Ministério do Interior.

O anúncio foi feito pelo ministro do Interior francês, Bernard Cazeneuve, perante os pais de alunos de uma instituição de ensino judaica nos arredores de Paris, perto do local onde foi morta uma agente da polícia, na quinta-feira. A França continua em alerta máximo depois da morte de 17 pessoas em apenas três dias, vítimas de ataques terroristas perpetrados por extremistas islâmicos.

"É a primeira vez que uma mobilização desta amplitude abrange as nossas forças em todo o território", afirmou Le Drian, justificando o carácter inédito da medida com a "amplitude das ameaças" que pairam sobre o país desde a onda de atentados.

Um dos ataques teve como alvo uma mercearia judaica, durante o qual morreram quatro pessoas, aumentando o receio junto da comunidade. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que no domingo esteve na marcha antiterrorista de Paris, encorajou os judeus franceses a emigrarem para Israel face à ameaça de “um terrível anti-semitismo”.

Netanyahu vai deslocar-se nesta segunda-feira ao local do atentado, perto da Porta de Vincennes, informou a embaixada israelita em Paris. Os quatro judeus mortos durante o sequestro da mercearia vão ser enterrados terça-feira em Israel, revelou à AFP um dirigente da comunidade judaica.

O Presidente, François Hollande, preside nesta manhã a uma reunião do gabinete ministerial em que a segurança nacional ocupa o topo da agenda e na qual estão presentes os chefes das forças de segurança.

Manuel Valls sugeriu nesta manhã que o isolamento dos presos acusados de crimes de terrorismo nas prisões francesas é uma medida “que é preciso generalizar”. “É necessário fazê-lo com discernimento e inteligência”, defendeu Valls numa entrevista ao canal BFMTV. Para já, o primeiro-ministro recusou a adopção de "medidas de excepção" em resposta às pressões, sobretudo da direita, de que seja implementada uma versão francesa do Patriot Act norte-americano – um pacote legislativo aprovado após o ataque às Torres Gémeas que veio permitir que as agências de segurança pudessem interceptar e escutar pessoas e organizações sem necessidade de uma autorização judicial.

As declarações de Valls surgem no actual contexto depois da revelação de que um dos suspeitos pelos atentados, Chérif Kouachi, esteve preso dois anos. Em 2005, Kouachi tentava viajar para a Síria para combater no Iraque, mas foi apanhado numa operação que desmontou uma célula jihadista que recrutava jovens de origem francesa.

O debate acerca do papel das prisões no processo de radicalização dos jovens acusados de actividades extremistas reacendeu-se. Foi na prisão que Chérif Kouachi conheceu Djamel Berghal, um dos nomes mais influentes do jihadismo em França. Ao caso de Kouachi juntam-se os de Mohamed Merah, o jovem que matou sete pessoas na região de Toulouse em Março de 2012, e de Mehdi Nemmouche, que em Maio do ano passado atacou um museu judaico em Bruxelas, tendo ambos passado temporadas na prisão antes de terem cometido os atentados.

Em 2008, o Instituto de Altos Estudos de Segurança publicou um estudo que revelava a existência de 340 presos considerados “radicais” ou em “processo de radicalização” – um número que é, contudo, de difícil precisão, uma vez que não difere entre extremistas islâmicos e outros, como os membros de grupos separatistas da Córsega ou do País Basco.

1400 franceses na Síria e no Iraque
Com o país ainda a digerir os ataques dos últimos dias, as autoridades tentam lidar com o fluxo de franceses que vão para o Médio Oriente e os que pretendem regressar. O Governo francês estima que existam actualmente 1400 cidadãos que se tenham juntado a grupos extremistas na Síria ou no Iraque. O número foi avançado pelo primeiro-ministro, que revelou ainda que cerca de 70 franceses foram mortos durante os combates nos dois países.

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, vai visitar Paris na sexta-feira para prestar homenagem às vítimas dos atentados. “Nenhum acto de terror, nem duas pessoas com [metralhadoras] AK-47, nem a tomada de reféns numa mercearia vão impedir aqueles que estão empenhados na marcha da liberdade”, disse Kerry durante uma visita à Índia.

Kerry desvalorizou as críticas à ausência de governantes norte-americanos na marcha de domingo. Numa manifestação que contou com mais de um milhão de pessoas em Paris e com a presença de 50 chefes de Estado e de Governo de todo o mundo, os EUA fizeram-se representar apenas pelo procurador-geral, Eric Holder, e pela embaixadora Jane Hartley.

Entretanto, as investigações aos ataques continuam, agora concentradas no papel que possa ter sido desempenhado por eventuais cúmplices e na possibilidade de ter havido uma ligação entre o ataque ao semanário satírico Charlie Hebdo e o sequestro de 19 pessoas numa mercearia kosher.

O autor do ataque à mercearia, que é também suspeito de ter matado a polícia no dia anterior, Amedy Coulibaly, apareceu num vídeo difundido no domingo em que jura fidelidade ao grupo terrorista Estado Islâmico e garante ter agido em coordenação com os irmãos Said e Chérif Kouachi, responsáveis pelo atentado ao Charlie Hebdo. No entanto, os irmãos Kouachi identificaram-se como pertencentes ao braço da Al-Qaeda no Iémen.

Até ao momento não houve qualquer reivindicação formal por parte de nenhum grupo conhecido, o que tem levado a crer que os ataques não terão sido orquestrados a partir do exterior.

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