Mohamed Merah, uma máquina de matar com um passado de jovem gentil mas irascível

Na adolescência, Merah cumpriu 18 meses de prisão. Radicalização terá acontecido durante viagens ao Afeganistão e Paquistão

Um jovem delicado e com boa educação, que abria a porta às senhoras. Mas também capaz de grandes cóleras e de cometer repetidamente crimes, que o levaram a cumprir 18 meses de prisão, aos 19 anos. Terá sido aí que se partiu o frágil arame em que se equilibrava a vida de Mohamed Merah, e começou a sua radicalização, que o levou ao Afeganistão e ao Paquistão e o transformou num assassino - pronto a reclamar pertença à Al-Qaeda.

Quem o conheceu na infância, até na adolescência, os amigos com quem convivia, que o encontravam a fumar chicha (cachimbo de água) na discoteca de música argelina raï Calypso, em Toulouse, que fazia soirées sem álcool, não conseguem acreditar. "Quem vai às boîtes não pode ser um salafista a sério", disse ao Libération um amigo que o conhece desde a adolescência.

Os amigos recordam também que no ano passado cortou o cabelo de maneira a fazer uma crista vermelha. "Mais do que pôr-se à moda, diria que era à punk", disse ao Libération um amigo de infância, que há três anos tinha reencontrado Merah. "Quando conheci Mohamed, ele tinha coração. Não consigo aceitar que ele tenha podido fazer isto, sobretudo a crianças", disse ao Le Figaro o ex-animador de juventude que acompanhou Merah até atingir 18 anos, a pedido do adolescente, no serviço de Educação do município de Toulouse. O jovem que ele conhece é o de rosto sorridente e escanhoado, apaixonado por futebol, carros e mecânica, que gostava de usar Lacoste, ténis de marca e relógios, que estava desempregado desde que saíra da prisão, em 2009, e que aos 23 anos vivia do rendimento de inserção.

Mohamed Merah, nascido a 10 de Outubro de 1988, em Toulouse, saberia ser encantador: o advogado que o defendeu várias vezes, como delinquente juvenil, descreveu-o ao Le Monde como alguém com "cara de anjo" e "voz doce". Durante o cerco à casa, foi o único a falar dele de forma humanizada. O ministro do Interior, o procurador de Paris, o Presidente, todos falavam de Mohamed Merah como um assassino frio e calculista, senhor de si próprio, violento, dominador. Que preferia "matar a continuar a viver".

Este Mohamed Merah capaz de executar crianças com um tiro na cabeça à porta da escola não é fantasia. Pelos esforços dos "media" franceses em descobrir quem era verdadeiramente o assassino em série de Toulouse - ou o assassino de massas, que os psiquiatras dizem ser uma melhor definição para a forma como matou sete pessoas em dez dias - percebe-se que a sua adolescência na zona de Izards, onde havia tráfico de droga, foi problemática.

Mas a sua paixão pela mecânica acabou por valer-lhe um lugar numa oficina, aos 16 anos, e a confiança do patrão. Mas quando cumpriu pena como adulto, o patrão deixou de lhe assegurar o emprego. Nessa altura, Merah sofreu um colapso psicológico - segundo a revista L"Express e o jornal local La Dépêche du Midi, passou 15 dias num hospital psiquiátrico. Tinha "tendências anti-sociais", contou um perito judicial, que aconselhou "acompanhamento psicológico" quando saísse em liberdade. Mas não teve mais tratamento.

O que fez, a partir daí, foram várias viagens ao Afeganistão e às zonas tribais do Paquistão - onde terá recebido formação em campos de treino relacionados com a Al-Qaeda. Provavelmente, através de conhecimentos feitos na prisão, mas também é possível que simplesmente tenha seguido na peugada do irmão mais velho, Abdelkader, que está detido, e que fez várias viagens ao Egipto, julga-se que para estabelecer contactos com redes radicais islâmicas. A sua casa, nos arredores de Toulouse, estará cheia de literatura radical, diz a imprensa francesa, e a sua namorada, que também foi detida, usa o véu islâmico integral.

A sua mãe, que era divorciada e criou sozinha cinco filhos (três rapazes e duas raparigas) era tratada de forma cada vez mais dura por Mohamed e Abdelkader, desde que se radicalizaram, contam os vizinhos de Mirail, o bairro onde morava, num apartamento com uma só assoalhada. Há pouco tempo, os dois filhos terão arranjado o casamento da mãe com o pai do líder de um grupo salafista da região de Toulouse, ao qual terão ligações, diz o Le Monde. O que terá acontecido entretanto com esse casamento não se sabe.

Apesar de todas as zonas de sombra que persistem, o certo é que, algures no seu percurso, o jovem doce mas que podia ter fúrias assustadoras - "entre os 15 e os 17 anos, quando se declarava a sua cólera, era difícil contê-lo", reconheceu o animador de juventude - se transformou numa máquina de matar.

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