“Alarmismos” podem transformar ébola “na história do Pedro e do lobo”

Alerta é feito pela Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública, que reforça que "o risco é baixo" e apela à confiança no trabalho coordenado pela Direcção-Geral da Saúde.

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Rapariga que pode estar infectada com Ébola em Kenema, na Serra Leoa, uma das cidades de quarentena CARL DE SOUZA/AFP

A manifestação pública de posições “alarmistas sobre o risco elevado” de a epidemia do vírus do ébola poder espalhar-se em Portugal preocupa a Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), que teme uma repetição “da história do Pedro e do lobo” ao desacreditarem-se as autoridades de saúde junto da população. “A confiança é uma questão de base em saúde pública”, resume ao PÚBLICO o presidente da ANMSP. Mário Durval critica, por isso, o parecer recentemente divulgado pelo Colégio da Especialidade de Saúde Pública da Ordem dos Médicos, que condenava as “mensagens de enganosa tranquilidade” que têm sido dadas à população.

A ANMSP vai fazer nesta quarta-feira uma conferência na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, com o objectivo de evitar a “informação contraditória sobre o risco e a gravidade da epidemia”. “Têm existido algumas posições contraditórias e que quanto a nós podem ser alarmistas, o que de facto não faz sentido quando Portugal não é um país de risco e sabendo-se que, mesmo que venha a ser reportado algum caso, temos condições para o isolar e para funcionar em termos de contenção de contágios”, resume Mário Durval, lembrando que “existem vários estádios e neste momento o importante é termos equipas de intervenção bem preparadas mas que não precisam de estar em todo o lado, de Valença a Faro”.

O médico teme que “um dia seja necessário que as autoridades de saúde façam uma intervenção mais musculada, com a imposição de restrições, e que aí as pessoas já não acreditem”. Durval recorda o que aconteceu em 2009, aquando da pandemia da chamada gripe A, considerando que a contra-informação fez com que os cidadãos desvalorizassem a doença “sem verem que não houve epidemia em Portugal como noutros lados devido à actuação das autoridades de saúde. Se não houve a taxa de incidência de gripe em Portugal como houve em Inglaterra ou Espanha devemos isso às autoridades de saúde que contiveram a situação de norte a sul do país”. O clínico sublinha, também, que a gripe é transmitida facilmente apenas por via aérea, “enquanto no ébola é preciso estar em contacto com os fluidos dos doentes” para haver contágio.

Sobre o parecer muito crítico do Colégio da Especialidade de Saúde Pública, que defendia que o país não está preparado para lidar com a possibilidade de importação de casos e que o director-geral da Saúde denunciou que não tinha sido aprovado pelos membros deste organismo, Durval admite que “tem faltado contenção”. “Mas não queria pronunciar-me sobre o documento que é interno da Ordem dos Médicos”, diz, ressalvando que “a saúde pública tem uma obrigação face à população de ter uma posição perfeitamente clara de contenção de excessos ou de levar as coisas à última consequência, se for caso disso”. “Não queremos que a história do Pedro e do lobo aconteça e só se a Direcção-Geral da Saúde vier dizer que estamos perante um grande alarme é que devemos encarar as coisas dessa forma”, reitera.

O alerta dos médicos de saúde pública é feito na mesma altura em que a Direcção-Geral da Saúde apresentou um novo site com informação sobre o vírus do ébola e através do qual é possível esclarecer dúvidas, imprimir material relacionado com a doença, conhecer os riscos para quem viaja, as respostas preparadas em Portugal e os países afectados. A apresentação do site foi feita no âmbito de uma reunião do dispositivo de Coordenação da Plataforma de Resposta à Doença por Vírus Ébola, no final da qual o director-geral da Saúde, Francisco George, anunciou que na sexta-feira e no sábado vão ser feitos três simulacros para testar a capacidade de resposta dos profissionais de saúde portugueses.

Entre os exercícios, que serão avaliados por peritos nacionais e internacionais, está o suposto caso de uma mulher com 28 anos, com um namorado na Guiné-Conacri, e que esteve recentemente num funeral no país afectado. A senhora, de regresso a Portugal, apresenta febre superior a 39 graus que não baixa com medicamentos e dirige-se a um centro de saúde que valida a suspeita de ébola com a Linha Saúde 24 (808 24 24 24) e que transfere a doente para um dos hospitais de referência, o Curry Cabral, em Lisboa, através das ambulâncias especialmente preparadas pelo Instituto Nacional de Emergência Médica. Neste caso, as análises simuladas para o exercício e feitas pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge vão confirmar a doença.

Do lado português a aposta tem passado, sobretudo, por exercícios e pela preparação de uma equipa de profissionais de saúde que poderão integrar uma missão na Guiné-Bissau, caso aquele país venha a solicitar. A organização humanitária Saúde em Português, em declarações à Lusa, anunciou nesta terça-feira que disponibilizou 16 pessoas para integrarem este grupo coordenado pela Direcção-Geral da Saúde, mas que só deverá receber uma eventual luz-verde depois de uma visita a Portugal do primeiro-ministro guineense, agendada para dia 30 de Novembro e durante a qual estará acompanhado pela ministra da Saúde daquele país.

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