Jihadistas a 90 quilómetros de Bagdad, Obama admite “todas as opções”

O inevitável tornou-se real em poucos dias. O ISIS, a nova Al-Qaeda, ameaça a capital do Iraque. O Irão promete ajudar o Governo iraquiano a impedi-lo.

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O avanço jihadista faz nascer campos de refugiados improvisados Safin Hamed/AFP

A guerra no Iraque nunca acabou e o Iraque poucas vezes desde 2003 foi algo mais do que um Estado falhado ou à beira do colapso. Houve alturas em que isso foi mais evidente; outras em que o resto do mundo quase podia esquecer-se e fingir não ver.

Os últimos dias tornaram a realidade demasiado evidente: os jihadistas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), que desde o final do ano passado ocupam Falluja e Ramadi, avançaram sem que ninguém os travasse e tomaram Mossul, a segunda maior cidade do país, obrigando meio milhão de pessoas a fugir, até chegarem, esta quinta-feira, a 90 quilómetros de Bagdad.


O primeiro-ministro em funções, Nouri al-Maliki, pediu ao Parlamento poderes para impor o Estado de emergência mas não houve quórum para votar esse pedido: apareceram 128 dos 325 deputados e é fácil perceber porquê. Afinal, metade do Iraque culpa Maliki pelo que está a acontecer; foi ele que marginalizou os árabes sunitas, recusou chegar a acordos com os curdos, quis centralizar poderes, armou milícias xiitas para combater tribos sunitas – levando os seus líderes a interrogaram-se se estavam melhor com ou sem o ISIS, formado na maioria por estrangeiros que se encontraram na Síria.

No Iraque de Saddam Hussein ninguém confiava em ninguém; no Iraque do dia seguinte à sua queda, e que agora se começa verdadeiramente a desintegrar, nunca ninguém confiou em ninguém. Por mais comissões e leis de reconciliação formadas, discutidas e aprovadas ao longo dos anos.

O Iraque foi a votos no dia 30 de Abril: “A não ser que Maliki seja substituído ou que mude drasticamente as suas políticas, estas podem ser as últimas eleições num Iraque unificado”, escreveu dias antes Paul Salem, do think tank Middle East Institute, de Washington.

Há deputados iraquianos que resumem a actual situação de uma forma ao mesmo tempo simplista e cheia de significado. “O problema é que os soldados não estão a resistir aos grupos armados”, disse Hakim al-Zamili, seguidor de Moqtada al-Sadr (líder radical xiita). “Nenhum soldado está pronto para disparar contra os homens armados.” Para haver Exército às vezes é preciso haver Estado, Governo, líderes, país.

Maliki já tinha percebido a ameaça: escreve o jornal New York Times que nos últimos dois meses pediu várias vezes aos Estados Unidos ajuda para enfrentar os jihadistas e as tribos árabes sunitas. Ataques aéreos. A resposta foi sempre negativa.

Esta quinta-feira, enquanto no Congresso senadores republicanos responsabilizam a Administração de Barack Obama – por não ter ajudado mais o Iraque, por não ter agido a tempo na Síria –, democratas como Hillary Clinton respondiam que o calendário de retirada americana “foi fixado pela Administração precedente”, a de George W. Bush, a mesma que invadiu o país em Março de 2003.

Gasolina no fogo
Agora, diz Obama, “o Iraque vai precisar de mais ajuda da parte dos EUA e da comunidade internacional”. Para já, explicou, “a nossa equipa de segurança nacional estuda todas as opções”. “Não excluo nada”, sublinhou.

Entretanto, o Iraque desintegra-se. Os curdos, a Norte, desceram da sua região autónoma para ocupar Kirkuk, que reivindicam como capital histórica de um futuro estado curdo (o maior povo sem estado). Fizeram-no, justificam, para assegurar que os jihadistas não o faziam primeiro – e o ISIS ocupou cidades e zonas de três províncias em três dias.

Maliki pede ajuda e os EUA ponderam ajudar. Iyad Allawi, ex-primeiro-ministro, xiita como Maliki, líder de uma coligação inter-religiosa e interétnica, avisa que outra intervenção militar estrangeira só vai “deitar gasolina no fogo”. “A comunidade internacional tem de procurar uma forma alternativa de sair desta confusão”, defendeu, em declarações à BBC. “Não podemos começar outra grande guerra no Iraque e à volta do país.”

O Irão, xiita como Maliki e a maioria dos iraquianos, e como Bashar al-Assad e a elite que esmagou a revolução síria e destruiu o seu país pelo caminho, avisa estar pronto a “combater” os extremistas no Iraque. Aliás, o Presidente Hassan Rouhani já enviou a ajuda que Obama hesitou em enviar, nos últimos meses. Teerão, diz Rouhani, não vai “tolerar” estes rebeldes que “agem selvaticamente”.

Homens fortes de Saddam
As políticas de Maliki podem ter dado frutos que nem o próprio antecipava. Responsáveis dos serviços secretos iraquianos dizem à Associated Press que há grupos armados liderados por antigos homens fortes de Saddam, como Ezzat Ibrahim al-Douri, que nunca chegou a ser preso, a combater ao lado do ISIS. Quando os jihadistas entraram e tomaram Tikrit, na quarta-feira, a cidade onde Saddam nasceu, houve combatentes a erguer cartazes com os rostos de Saddam e de Douri.

Enquanto os políticos discutem e os combatentes combatem, os civis fogem ou temem o pior. Em Bagdad, por exemplo, vive-se já em terror, à espera da chegada dos homens das bandeiras e dos turbantes negros. “Vamos marchar até Bagdad por que temos uma conta a acertar na cidade”, ameaçou numa gravação um porta-voz do ISIS, Abu Mohammed Adnani.

ISIS quer dizer Estado Islâmico do Iraque e do Levante – termo com que os franceses designavam o Mediterrâneo Oriental e que é, na verdade, a Síria histórica, mais partes do Sul da Turquia, Jordânia, Palestina e Israel. O ISIS controla partes do Norte da Síria, ataca há meses no Líbano e agora diz que só vai parar em Bagdad.

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