Estado perde poder unilateral de cancelar efeito das providências cautelares

Juízes e procuradores alertam para possível paralisação da Administração Pública.

Quando uma providência cautelar é admitida num tribunal administrativo, a lei atribui-lhe o efeito automático de suspender a eficácia do acto da Administração que o particular considera ofender os seus direitos. Até o tribunal decidir se dá ou não razão ao particular, o acto (que pode ser uma ordem para encerrar um estabelecimento comercial, para demolir um imóvel ou um despacho a determinar a exclusão de candidatos de um concurso público) fica suspenso e não produz efeitos.

Actualmente, contudo, a Administração Pública tem a possibilidade de fazer uma resolução fundamentada a invocar o interesse público na execução do acto e assim, de forma unilateral, retirar o efeito útil à providência cautelar. No entanto, o particular pode apresentar um incidente a pedir a declaração de ineficácia dos actos já executados ou a executar. O anteprojecto propõe o fim da resolução fundamentada. O Estado continua a poder invocar esse interesse, mas para “descongelar” o acto passa a ser necessária uma decisão do juiz, acabando-se com o efeito automático dado à Administração.

Mário Aroso de Almeida, membro da comissão que elaborou o anteprojecto, sustenta que esta solução “é mais equilibrada”, já que, com a resolução fundamentada, perde-se o efeito útil da providência, tendo o particular que lidar com um facto consumado e já só podendo exigir uma indemnização ao Estado, mas não impedir a execução do acto, por exemplo, uma demolição.

O professor universitário e advogado João Pacheco Amorim aplaude a mudança, destacando que a actual solução dá uma “carta branca” à Administração e origina uma “total impotência dos cidadãos”. Há, no entanto, muitos magistrados preocupados com esta alteração. A procuradora-geral adjunta Conceição Ligeiro e a juíza desembargadora Ana Celeste Carvalho são duas das vozes que discordam do desaparecimento da resolução fundamentada, temendo que esta mudança possa “levar à paralisação da Administração”, o que causará significativos prejuízos para o interesse público. A juíza acrescenta que a sua experiência mostra que o Estado tem utilizado com parcimónia esta possibilidade e completa que, ao longo dos últimos anos, apenas declarou a ineficácia desta resolução por a considerar abusiva. Pacheco Amorim vê nesta crítica uma resistência que se justifica “com o facto de os magistrados irem ficar com o odioso da decisão na mão”. Mas não ignora que o entupimento dos tribunais administrativos faz com que muitas providências cautelares demorem “muitos meses” a terem uma decisão.

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