Obama fez o trabalho de casa e resultou

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1.É tão raro ter uma boa notícia, nestes dias que correm, que a primeira tentação é duvidar da facilidade com que foi possível um primeiro “passo histórico” para resolver o problema nuclear iraniano. As coisas tornam-se mais fáceis de entender quando recuamos no tempo. Há 10 anos que os “três grandes” europeus iniciaram com Teerão um processo negocial que, com a eleição de Obama, passou a ser dos “5+1” (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança mais a Alemanha). Isso permitiu abrir um canal diplomático com o regime de Teerão, que, com altos e baixos, se foi mantendo a funcionar. Muita coisa aconteceu, entretanto, no Médio Oriente e no Norte de África. As revoluções árabes alteraram um quadro de estabilidade que assentava no poder americano na região e nos regimes autoritários que “continham” a ameaça islamista. E, sobretudo, mudou a Administração americana.

George W. Bush queria mudar o Médio Oriente através da democracia, mesmo que imposta, se necessário, pela força. Teve uma fragorosa derrota e ofereceu ao Irão a oportunidade para reforçar a sua influência regional, incluindo no Iraque. Quando Obama chegou à Casa Branca e anunciou a sua visão do papel da América no mundo, prometeu que estava disposto a estender a mão aos inimigos, desafiando-os a descerrar o punho. A mensagem era, em primeiro lugar, para o regime iraniano. “Queria mostrar que a América estava disposta a trabalhar com o Irão”, escreve a Economist em Agosto de 2010. A sua nova doutrina fazia da diplomacia o meio principal para resolver as ameaças à segurança mundial. “Se há uma doutrina Obama, é esta: retirar a América de guerras dispendiosas, não a envolver em novas, e fazer da diplomacia o factor essencial”, escreve Aaron David Miller no site americano Politico, comentando o acordo de Genebra. A sua visão do interesse americano levou-o a uma viragem para a Ásia, onde está em ascensão uma grande potência capaz de desafiar a América e para onde se desloca a riqueza mundial. O Médio Oriente, em contrapartida, começou a ser olhado como uma região que exigia aos EUA demasiada atenção e demasiados recursos. O Irão era, no entanto, a questão incontornável. “O Presidente tinha três 'nãos', no que se refere ao Irão”, escreve ainda Aaron David Miller. “'Não' a um ataque israelita; 'não' a um ataque americano; e 'não' a um Irão nuclear”. A oportunidade surgiu “devido à mudança política que se registou em Teerão e à decisão de Obama de falar com o Irão directamente pela primeira vez numa geração”, escreve Ian Traynor, no Guardian.

2. Washington tinha feito o seu “trabalho de casa”. A diplomacia americana conseguiu isolar o regime teocrata a nível internacional. Fez aprovar uma sequência de sanções cada vez mais duras no Conselho de Segurança da ONU (legitimadas pela Rússia e pela China). Adoptou, com a União Europeia, sanções ainda mais duras e esperou pelos resultados. Finalmente, o seu efeito na vida dos iranianos foi suficientemente duro para começar a reflectir-se internamente. A inesperada eleição, à primeira volta, de Hassan Rohani, o candidato moderado que não tinha o patrocínio do ayatollah Ali Khamenei, era a oportunidade de que Obama esperava. O novo Presidente já tinha sido o negociador de Teerão com a Europa. Foi criticado na altura por ceder demasiado. Quando foi eleito disse ao que vinha: a possibilidade de um acordo era agora muito maior. Rohani é um homem do regime que nunca pôs em causa o direito do seu país a enriquecer urânico para “fins civis”. Mas isso acabou por constituir uma vantagem. Obama estava à espera dele. Para Bush, quanto mais radical fosse o regime de Teerão, melhor para a sua estratégia. Donald Rumsfeld chegou a admiti-lo publicamente.

3. Os analistas sublinham que Genebra é apenas um "primeiro passo” que, como tinha de ser, permitiu a Rohani oferecer o suficiente ao poder supremo do regime para não perder a face. Obama tem ainda um difícil exercício diplomático para resolver se quer garantir que as negociações vão chegar a bom porto. As reacções mais negativas vieram, como previsível, dos dois principais aliados da América na região: Israel e Arábia Saudita. Também podem ainda vir do Congresso americano, pouco disposto a aliviar as sanções. Nos últimos dias, o primeiro-ministro israelita, que chamou ao acordo um “erro histórico”, fez tudo o que estava ao seu alcance para lançar areia na engrenagem. Recebeu François Hollande de braços abertos, elogiando a dureza negocial da França em contraste com a “fraqueza” dos EUA. Foi a Moscovo tentar convencer Vladimir Putin a não alinhar com os objectivos americanos. Mas, mais tarde ou mais cedo, Telavive acabará por ter de encontrar um modus vivendi com o país que garante, em última análise, a sua segurança. “A relação entre os EUA e Israel é demasiado grande para falhar”, comentou Miller no Politico. A Arábia Saudita é um caso mais sério. O Irão xiita é o seu grande rival na região. As revoltas árabes tiraram-lhe aliados, a começar pelo regime de Mubarak. Quer pôr fim ao regime de Assad, não poupando recursos para apoiar a oposição. Viu com grande apreensão a forma como Obama lidou com as armas químicas. O Presidente americano terá de encontrar a forma de dar garantias suficientes aos seus dois aliados para que não funcionam como os desestabilizadores do processo iniciado em Genebra. Nada disso, no entanto, apaga a natureza histórica deste primeiro passo.
 

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