Tsipras repete oposição a sanções contra a Rússia após reunião com Putin

Visita do primeiro-ministro grego a Moscovo termina com promessas de mais cooperação económica, em especial na área da energia, e com uma declaração de Tsipras contra sanções da União Europeia à Rússia por causa da Ucrânia.

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Putin e Tsipras em Moscovo Alexander Zemlianichenk/Reuters

Grande parte da visita do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, a Moscovo, e da reunião com o Presidente russo, Vladimir Putin, foi passada a falar do facto de simplesmente estar a acontecer.

Na conferência de imprensa nesta quarta-feira em Moscovo, as primeiras palavras de Tsipras após os agradecimentos ao anfitrião foram justamente para mencionar a “preocupação de responsáveis europeus relativamente a um recomeço de relações com a Rússia”, para sublinhar que a Grécia “é um Estado soberano” e “pode ter uma política externa multifacetada”. Tsipras garantiu que a Grécia “respeita os seus compromissos perante as organizações internacionais de que é parte”.

A viagem de Tsipras a Moscovo, quando decorrem negociações para a libertação da última tranche de um empréstimo da troika à Grécia e as verbas do país estão a esgotar-se, levou a especulação sobre se a Grécia estaria a tentar obter financiamento alternativo da Rússia. A visita ocorreu precisamente na véspera do fim do prazo para a devolução de 448 milhões da Grécia ao FMI (Fundo Monetário Internacional) que um ministro grego tinha declarado que poderia não ser paga (levando a um desmentido do Governo e à declaração do ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, de que o pagamento irá ser feito na quinta-feira como previsto).

Em relação a este empréstimo, a organização anti-dívida Jubilee Debt Coalition, com sede no Reino Unido, disse que o FMI lucrou 2,5 mil milhões de euros com os empréstimos à Grécia desde 2010 (o cálculo foi feito com base na taxa de juro que o FMI está a impor à Grécia, 3,6%).

Questionado sobre a possibilidade de financiamento russo à Grécia, Putin garantiu que não houve qualquer pedido de Atenas e que qualquer empréstimo russo seria feito apenas num quadro de grandes projectos de cooperação económica.

Tanto Tsipras como Putin falaram sobretudo deste tipo de cooperação, com possíveis parcerias na área da energia, turismo, e captação de investimento russo na Grécia. Em especial, falaram do gasoduto através do qual Moscovo quer fornecer gás à Europa via Turquia e que poderia passar pela Grécia. Nada ficou acordado, ficando dependente de questões técnicas. Putin sublinhou que seria um projecto que traria muitas mais-valias para a Grécia e daí do interesse dos credores do país.

O primeiro-ministro grego acrescentou: “A Grécia não é um pedinte que anda de país em país a pedir-lhes que resolvam o seu problema económico, uma crise que não diz apenas respeito à Grécia mas é uma crise europeia”, defendeu. “A Grécia não é uma colónia de dívida, é um Estado soberano.”

Comentadores viam a visita de Tsipras como uma tentativa da Grécia jogar a “carta russa”, mostrando que tem opções e que as pode usar – não para se financiar, porque a Rússia não tem verbas suficientes para um problema do tamanho do grego, mas para algum tipo de cooperação e para acabar com a unanimidade que tem permitido à União Europeia impor sanções dolorosas para a economia russa especialmente numa altura de baixos preços de petróleo.

Uma estratégia que poderá não correr como esperado quando parte do problema com as negociações com o Eurogrupo terá também a ver com questões de confiança no Governo grego. A lista de reformas apresentada pelo Governo de Tsipras continua a ser escrutinada e até agora os outros países da zona euro não consideram que dê garantias suficientes para a libertação da última tranche do empréstimo. De prazo em prazo, a última data – referida pelo próprio ministro das Finanças da Grécia – é 24 de Abril, quando se reúne de novo o Eurogrupo.

Putin não abre excepções
Já na parte de perguntas e respostas, Putin rejeitou a hipótese que se vinha a pôr em cima da mesa de um levantamento das sanções russas impostas em 2014 aos produtos agrícolas da União Europeia, pelo menos à Grécia, e eventualmente também a Chipre e à Hungria. A Grécia foi um dos países mais afectados por estas sanções. “Infelizmente não podemos fazer excepções” e levantar sanções a apenas alguns membros da UE, disse Putin. A solução seria o fim das sanções da UE à Rússia (impostas depois da anexação da Crimeia) para que a Rússia levantasse as suas próprias sanções, defendeu o Presidente russo.

Tsipras disse, pelo seu lado, mais uma vez que não concorda com as sanções contra Moscovo. O ambiente hostil entre o Ocidente e a Rússia poderia “levar a uma nova Guerra Fria”, considerou.

Antes destas declarações, mas já depois de Tsipras ter expressado desacordo com as sanções, a Alemanha dizia que não via sinal de que a posição do Governo grego em relação às sanções, que exigem unanimidade, se tivessem alterado. “Até agora a Grécia tem apoiado todas as decisões ligadas a sanções e espero que continue a ser assim”, disse uma porta-voz do Ministério Negócios Estrangeiros alemão citado pela agência Reuters.

O presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, tinha deixado um aviso a Tsipras para não quebrar esta unanimidade nas sanções à Rússia, e da Áustria veio também um alerta para o primeiro-ministro grego não se aproximar demasiado da Rússia.

Simpatia sem calor
No encontro os dois foram simpáticos, mas não pareciam especialmente calorosos. Putin notou o timing da visita mesmo antes da comemoração da Páscoa ortodoxa, sublinhando as “raízes espirituais comuns” dos dois países.

A luta da Grécia e da Rússia lado a lado na II Guerra Mundial foi ainda um dos temas referidos na conferência de imprensa. O Governo de Tsipras acabou de quantificar pela primeira vez o que a Grécia acha que a Alemanha lhe deve em reparações da guerra: 279 mil milhões de euros.

Antes da reunião com o Presidente russo, a delegação grega chefiada pelo primeiro-ministro deixou uma coroa de flores no monumento ao Soldado Desconhecido. A ligação entre a Grécia e a Rússia vem também do acolhimento que foi dado aos comunistas gregos em muitos países da União Soviética após a guerra civil de 1946-49. 

Tsipras e Putin assinaram um plano de acção conjunto para cooperação, enquanto os ministros dos Negócios Estrangeiros assinaram pelo seu lado um memorando para fazer de 2016 o ano Grécia-Rússia.

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