Tsipras joga a "carta russa" para pressionar nas negociações com a Europa

O primeiro-ministro grego está em Moscovo mas a Rússia não está em posição de lhe dar ajuda financeira. Mas quão próximo irá ficar de Vladimir Putin?

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Alexis Tsipras encontra-se esta semana com Putin numa reunião que levou a muita especulação Alkis Konstantinidis/Reuters

Irá a Rússia emprestar dinheiro à Grécia? Irá Atenas ser um cavalo de Tróia pró-Putin na União Europeia? Muito se tem especulado sobre a visita do primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, à Rússia, e sobre o seu encontro com o Presidente Vlamidir Putin na quarta-feira, em especial por este ocorrer na véspera de a Grécia ter de pagar uma parte do empréstimo ao FMI.

A posição muito mais pró-russa do novo Governo grego fez-se notar logo desde a tomada de posse de Alexis Tsipras, levando a especulação de quão próximo de Putin quereria o executivo ser, especulação que cresceu com o timing da visita de Tsipras (a viagem foi anunciada quando os gregos comemoravam a guerra da independência em que o Czar Alexandre I alinhou com os gregos para acabar com três séculos de poder otomano, lembra o diário britânico The Telegraph). 

Mas muita desta especulação é claramente exagerada.

A esperança do Governo grego poderá ser de mostrar aos parceiros europeus que tem uma alternativa – embora não se possa dizer que a Rússia tenha meios para emprestar as verbas de que a Grécia precisa: a Grécia representa apenas 2% da economia da zona euro, mas equivale a 12% da economia russa, aponta Raoul Rupparel, do centro de estudos Open Europe, na revista Forbes. A Rússia atravessa uma recessão, agravada pelas sanções devido ao conflito na Ucrânia e à descida do preço do petróleo, com uma contracção esperada de cerca de 4% este ano.

Assim, a ideia de Tsipras deverá ser mais de pressão política, tentando ganhar simpatia dentro da União Europeia. O que poderá conseguir é o efeito contrário. “A Rússia irá garantidamente antagonizar e tornar mais difícil a missão de quem quer que os alemães sejam mais conciliadores em relação à Grécia”, comenta ao Telegraph Simon Tilford, do Center for European Reform.

“Penso que o Governo grego está a jogar a ‘carta russa’ para melhorar a sua posição negocial nas actuais conversações”, dizia à emissora britânica BBC Manos Karagiannis, especialista em Rússia do King’s College de Londres.

A estratégia da Grécia, continua Simon Tilford, “é contraproducente para chegar a um acordo [com a zona euro] e não oferece fontes alternativas de verbas para Atenas.”

O primeiro-ministro grego tem falado já várias vezes contra as sanções europeias à Rússia. A Grécia tem o poder de vetar novas sanções (que têm de ser aprovadas por unanimidade), ou a renovação periódica de sanções em curso.

Isto abriria certamente uma cisão na União Europeia numa questão que levou muito tempo a trazer unanimidade, o que não traria efeitos benéficos nas conversações que a Grécia mantém com o Eurogrupo, que tem de aprovar a sua lista de reformas antes de desbloquear a nova tranche do empréstimo.

Há quem veja consequências ainda maiores: “Se a Grécia se tornar uma marioneta da Rússia, isso irá enfurecer os Bálticos, o que quer dizer que não há acordo em Junho para um novo empréstimo, o que levará à insolvência e à saída da Grécia do euro”, comenta no Twitter o jornalista Yannis Koutsomitis.

Até dos EUA vêm sinais de preocupação: o New York Times alerta, em editorial, Atenas para o perigo de ficar demasiado próxima de Putin. A Rússia tem explorado recentemente divisões dentro da União Europeia, lembra o jornal norte-americano no seu editorial, citando o empréstimo a Chipre, a aproximação ao húngaro Viktor Órban ou o financiamento de Moscovo para a extrema-direita francesa, a Frente Nacional de Marine Le Pen.

O Governo grego apresenta a visita como “politicamente amigável e economicamente promissora”. A proximidade entre Grécia e Rússia vai desde a religião (partilham a Ortodoxa) à posição especial dos gregos face à Rússia – a BBC nota que um inquérito do instituto Pew de 2013 mostrava que 63% dos gregos tinham uma visão favorável da Rússia. A Rússia é o principal parceiro comercial de Atenas, com trocas no valor de dez mil milhões de euros, especialmente devido às importações de gás russo (a Gazprom controla 70% do mercado russo).

Este é o sector-chave – a primeira visita do novo Governo à Rússia foi feita pelo ministro da Energia. Segundo o diário russo Kommersant, Putin poderia oferecer a Tsipras algum tipo de desconto no gás russo que chega à Grécia, e Atenas poderia dar como contrapartida à Rússia a exploração petrolífera no mar Jónico.

O grau de cooperação e de proximidade entre Tsipras e Putin será observado atentamente de Berlim a Washington.

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