Rússia fala em "aproximação" de posições e abre porta à diplomacia para resolver crise na Ucrânia

Putin telefonou a Obama, que lhe exigiu o recuo das tropas russas da zona de fronteira. Kerry e Lavrov encontram-se domingo em Paris. Moscovo avança ideia de transformar a Ucrânia numa federação.

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Foi Putin quem tomou a iniciativa de telefonar ao homólogo americano Alexei Nikolsky/Ria Novosti/AFP

A Rússia entreabriu a porta a uma possível saída negociada para a crise na Ucrânia, desde que o degelo tenha em conta os seus interesses. Sábado, depois da primeira conversa ao telefone entre os presidentes Vladimir Putin e Barack Obama desde a anexação da Crimeia, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, assegurou que Moscovo “não tem intenções” de invadir o Leste da Ucrânia, mas sugeriu que a “federalização” do país é a única solução capaz de acomodar os interesses de todas as partes.

O inesperado rumo dos acontecimentos, depois de uma semana em que muito se falou da concentração de tropas russas junto às fronteiras da Ucrânia (40 mil soldados, segundo a NATO) deixou analistas e diplomatas ocidentais intrigados sobre as reais intenções de Putin, indiferente até agora às sanções aprovadas por americanos e europeus em retaliação pela anexação da Crimeia. Sexta-feira à noite, pegou no telefone e ligou a Obama para, segundo a Casa Branca, responderàa proposta apresentada pelos Estados Unidos para ultrapassar a actual crise.

“O Presidente Obama sublinhou que os EUA continuam a apoiar uma solução diplomática”, mas “deixou claro que isso só será possível se a Rússia retirar as suas tropas [da zona de fronteira] e não adoptar mais passos que violem a integridade e a soberania da Ucrânia”, adianta um comunicado divulgado em Washington.

A versão do Kremlin é um pouco divergente. Adianta que o Presidente russo telefonou ao norte-americano para, em conjunto, “examinarem medidas que a comunidade internacional possa dar para ajudar a estabilizar a situação”. A instabilidade a que o comunicado se refere não tem a ver com o risco de uma guerra entre as forças russas e ucranianas, mas “à violência de extremistas [ucranianos] que, com toda a impunidade, continuam a cometer actos de intimidação contra a população pacífica”.

Apesar das diferentes interpretações, houve um resultado prático: os dois presidentes acordaram um novo encontro dos respectivos chefes da diplomacia para discutir “parâmetros concretos de um trabalho em comum”. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, que acompanhava Obama na visita à Arábia Saudita, adiou o regresso a Washington para se deslocar a Paris, onde deve reunir-se já domingo com Lavrov.

Será uma de muitas reuniões entre os dois desde que o ex-Presidente ucraniano Viktor Ianukovich abandonou Kiev e a população russa da Crimeia pediu a intervenção de Moscovo, mas o tom desta vez parece ser diferente. “Os nossos pontos de vista aproximam-se”, garantiu Lavrov, mesmo que o seu vice tenha vindo depois explicar que “não há um plano único” em cima da mesa.

A proposta americana prevê o recuo das tropas russas, negociações directas entre Moscovo e Kiev, e o envio de monitores internacionais para o Leste da Ucrânia a fim de garantir o respeito pelos direitos da população russófona, o que anularia qualquer desculpa para uma nova intervenção russa. Já Moscovo vê as negociações como uma oportunidade para obter um reconhecimento de facto da anexação da Crimeia – moeda de troca para o regresso das suas tropas aos quartéis –, mas também para moldar os acontecimentos em Kiev.

Na mesma entrevista em que reafirmou que a Rússia “não tem absolutamente intenções, nem interesse, em atravessar as fronteiras ucranianas”, Lavrov defendeu uma reforma constitucional profunda” em Kiev. “Francamente não vejo nenhuma outra forma para o desenvolvimento sustentado do Estado ucraniano que não passe por uma federação”, em que cada região possa decidir sobre “as ligações económicas e culturais com as regiões e os países vizinhos.” A descentralização tem sido apontada como uma das soluções para evitar a fragmentação do país, mas as novas autoridades de Kiev rejeitam a ideia de uma federação, temendo que depois da amputação da Crimeia, o Sul e o Leste do país lhe escapem definitivamente ao controlo.
 

   

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