Acções da Rússia revelam "mágoa muito profunda" pelo fim da União Soviética, diz Obama

Presidente norte-americano insta Vladimir Putin a retirar tropas da fronteira com a Ucrânia.

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Obama acusa a Rússia de "intimidar" a Ucrânia ANDREAS SOLARO/AFP

Com a questão da Crimeia aparentemente arrumada na prateleira dos factos consumados, as atenções dos Estados Unidos e da União Europeia voltam-se para o sudeste da Ucrânia, em particular para os planos que a Rússia tem sobre o que está para lá da sua fronteira.

Moscovo diz que não tem planos nenhuns que envolvam a força militar e Washington está dividida entre a certeza da intimidação e as suspeitas de uma invasão. No meio de tantas dúvidas, a NATO volta a assumir o protagonismo perdido nos últimos anos, procurando agora reforçar a sua presença no Leste da Europa.

Nesta sexta-feira, numa entrevista à estação de televisão CBS, gravada em Roma, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, condenou mais uma vez as movimentações de tropas ao longo da fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, que estão em curso "sob a aparência de exercícios militares".

"Pode simplesmente ser um esforço para intimidar a Ucrânia, ou eles podem ter outros planos", disse o Presidente norte-americano, na linha do que já tinha sido dito pelo vice-conselheiro nacional de Segurança dos Estados Unidos, Tony Blinken, numa entrevista à CNN, no domingo passado. Nesse mesmo dia, o supremo comandante da NATO na Europa, o general norte-americano Philip Breedlove, alertou para os receios de que a Rússia possa estar a preparar-se para invadir outras regiões no Leste da Ucrânia, ou até mesmo a república separatista da Transnístria, na Moldova, na fronteira sudoeste ucraniana – uma hipótese que o general classificou como "muito preocupante", porque esse cenário exigiria que as tropas russas atravessassem o território da Ucrânia.

Na entrevista à CBS, o Presidente dos Estados Unidos instou Moscovo a retirar as suas tropas da fronteira e a sentar-se à mesma mesa com representantes do Governo interino de Kiev, para ultrapassar o que descreveu como uma "mágoa muito profunda" em relação ao fim da União Soviética.

"Seria de esperar que, ao fim de duas décadas, um líder russo estivesse ciente de que o caminho certo não é voltar atrás e agir de uma forma característica da Guerra Fria, mas sim seguir em frente para uma maior integração na economia mundial e uma maior responsabilidade como actor internacional", disse o Presidente norte-americano.

As recentes acções de Moscovo – prosseguiu Barack Obama – revelam "um sentimento nacionalista russo muito forte e um sentimento de que o Ocidente se aproveitou da Rússia no passado".

"[Vladimir Putin] pode estar a errar na sua leitura sobre o Ocidente. Não há dúvidas de que está a errar na leitura sobre a política externa americana. Nós não temos qualquer interesse em cercar a Rússia e não temos quaisquer interesses na Ucrânia, para além de querermos que os ucranianos tomem as suas próprias decisões sobre as suas vidas", disse Barack Obama.

Reafirmando o reconhecimento de que a Rússia tem interesses legítimos na Ucrânia, o Presidente norte-americano rejeitou totalmente a forma que Moscovo escolheu para demonstrar esse facto ao mundo. "Eles têm influência na Ucrânia por causa do comércio, da tradição e da língua. Toda a gente reconhece isso. Mas há uma diferença entre isso e enviar tropas e anexar uma parte do país só porque se é maior e mais forte. Não é desta forma que a lei e as normas internacionais são cumpridas no século XXI."

Quanto à resposta da NATO a uma eventual invasão russa da Ucrânia, o Presidente norte-americano foi vago, preferindo insistir na eficácia das sanções económicas. Sobre o peso da aliança atlântica, sublinhou que a sua força será o que todos os seus membros quiseram que seja, em mais um recado aos países mais importantes da União Europeia, como a Alemanha e o Reino Unido, que têm reduzido as suas despesas militares.

É neste contexto de contenção orçamental na Europa – mas também de redução de gastos e alteração estratégica nos Estados Unidos, com as atenções viradas para a Ásia – que a NATO procura responder ao que alguns líderes ocidentais consideram ser o risco de uma invasão de novas regiões ucranianas pela Rússia.

Moscovo tem reafirmado que os seus planos – quaisquer que eles sejam – não passam pela entrada em força no território da Ucrânia. Nesta sexta-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo tentou tranquilizar os receios do Ocidente, ao avançar que as movimentações militares na fronteira foram observadas por um grupo de inspectores de oito países, que concluiu não existir qualquer violação das normas internacionais.

"Representantes da Letónia, Alemanha, Suíça, Finlândia, Estónia, Bélgica, França e Ucrânia inspeccionaram a parte europeia da Rússia, no âmbito do tratado de Viena de 2011 sobre medidas de segurança, e não encontraram preparações agressivas nem actividades militares para além das que já tinham sido reportadas", citou a agência ITAR-TASS. Não é conhecida a composição dessas equipas de inspecção, mas o ministério russo afirmou que todas elas vão enviar relatórios à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.

No meio da retórica inflamada e da tensão militar, o economista e jornalista Anatole Kaletski – nascido em Moscovo em 1952, mas que tem repartido a sua vida entre o Reino Unido e os Estados Unidos desde os 14 anos de idade –, aconselhou o mundo a "pôr de lado o dramatismo", numa análise escrita para a agência Reuters, baseada nas premissas de que Vladimir Putin já alcançou tudo o que queria (a anexação da Crimeia "de forma espectacular") e que o Ocidente não está disposto a lutar militarmente pela reintegração da península na Ucrânia.

"Os discursos políticos e as notícias ignoram os cenários mais prováveis, porque são considerados aborrecidos de mais. Em vez disso, os políticos e os comentadores centram-se em hipóteses excitantes e dramáticas que poderiam ocorrer num qualquer cenário improvável, como uma guerra aberta entre a Rússia e a Ucrânia, e ignoram a baixa probabilidade de isso acontecer", escreveu Anatole Kaletski, colaborador de publicações como a The Economist e o Financial Times, e duas vezes distinguido com o British Press Awards.

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