Obama promete consertar o sistema de imigração, nem que seja sozinho

Com discurso no 4 de Julho, Presidente aborda crise provocada pela vaga de crianças da América Central que está a chegar aos EUA

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Criança hondurenha num abrigo católico, uma entre as milhares interceptadas a tentar cruzar a fronteira com os EUA Carlos Jasso/REUTERS
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Manifestação em Murrieta contra a chegada de imigrantes Sam Hodgson/REUTERS

“Temos de consertar o nosso sistema de imigração, que está todo errado, e aprovar uma reforma que faça sentido”, afirmou o Presidente Barack Obama num discurso do 4 de Julho, o dia da Independência dos Estados Unidos, referindo-se à crise causada pela verdadeira avalanche de crianças da América Central que estão a chegar à fronteira do Texas e que se transformou num assunto de disputa política.

Mais de 52 mil crianças da América Central chegaram aos Estados Unidos desde Outubro, desacompanhadas. É o dobro do número das crianças sozinhas que cruzaram a fronteira ilegalmente no ano passado, de acordo com os Serviços Alfandegários e de Protecção da Fronteira dos EUA. Muitos outros milhares cruzaram a fronteira com as suas famílias.

Vêm da Guatemala, El Salvador e Honduras, e responsáveis dos serviços de imigração norte-americanos atribuem a culpa deste enorme fluxo, a que chamam uma crise humanitária, à mistura de pobreza extrema, gangs e violência relacionada com o tráfico de droga que se vive naquela região. Outro factor determinante é o boato espalhado pelos passadores de imigrantes ilegais de que todas as crianças que atravessem a fronteira dos EUA poderiam ficar no país.

Referem-se provavelmente a uma decisão tomada por Obama, há dois anos, de travar as deportações de jovens imigrantes. Baptizada Dreamers (sonhadores), esta legislação adiou durante dois anos a deportação de 550 mil jovens que entraram ilegalmente nos EUA, e em muitos casos a autorização para permanência nos EUA está a ser renovada.

Mas os serviços de imigração norte-americanos não estavam preparados para a chegada de tantos jovens imigrantes como nos últimos meses. A capacidade dos centros de detenção e processamento do Texas foram completamente ultrapassados, e muitos imigrantes estão a ser enviados para outras localidades no Sudoeste dos EUA, para tentar gerir a crise.

Enquanto isto está a acontecer, o presidente da Câmara dos Representantes, o republicano John Bohener, informou Obama na semana passada que a reforma da imigração, que há um ano está emperrada na câmara baixa do Congresso, já não seria discutida este ano.

O Senado americano aprovou uma reforma da legislação sobre a imigração, mas a Câmara dos Representantes, onde a oposição republicana é maioritária, recusa-se a discuti-la ou a chegar a um acordo com os democratas para a aprovar.

“Não aprovam uma maldita lei”

Os republicanos desconfiam da legislação aprovada pelo Senado, onde os democratas têm maioria, por prever a concessão de cidadania americana a imigrantes que já vivem nos Estados Unidos, embora estejam ainda ilegalizados. Chamam-lhe uma “amnistia para criminosos”. Além disso, exigem que seja reforçada a segurança nas fronteiras dos EUA com o México. “Até serem feitas estas mudanças, será difícil que haja progressos”, assegurou Boehner, citado pelo jornal USA Today.

O Presidente reagiu indignado. Ameaçou utilizar os seus poderes executivos para fazer avançar a reforma legislativa, face à paralisia legislativa forçada pelos republicanos. “Vou continuar a pressionar os republicanos da Câmara para que actuem em vez de escudarem em desculpas para não passarem uma maldita lei”, afirmou Obama num discurso na Casa Branca na segunda-feira. Mas não é só isso que vai fazer: “Vou iniciar um novo esforço para consertar sozinho o máximo que poder do nosso sistema de imigração”, prometeu.

Além de dar ordem para que os recursos para o combate à imigração legal sejam concentrados na fronteira Sul, transferindo forças que até agora estavam colocadas no interior do país, pediu à sua equipa sugestões sobre que outras acções tomar – que poderão ir até conceder autorizações de trabalho e protecção contra deportações para milhões de imigrantes, diz o New York Times.

Estas ideias contarão no entanto com a oposição cerrada dos republicanos e poderão ter impacto nas eleições de Novembro, em que é renovado parte do Congresso. Aquilo que pedem é um reforço da vigilância das fronteiras. Rick Perry, o governador do Texas, tem insistido nisso.

Numa audição do comité de Segurança Interna da Câmara dos Representantes, na quinta-feira, disse que o seu estado deverá gastar mais 1,3 milhões de dólares por semana até ao fim do ano para aumentar as medidas de segurança necessárias para lidar com esta crise, e pediu que fossem enviados mil efectivos da Guarda Nacional do Texas para ajudar a patrulhar a fronteira do Texas com o México.

Murrieta não quer imigrantes

Em algumas localidades, a vaga de novos imigrantes está a ser recebida com grande alarido: em Murrieta, na Califórnia, houve manifestações populares, incentivadas pelo presidente da câmara, que impediram a entrada de três autocarros que transportavam 140 imigrantes provenientes do Texas e transferidos para ali, para um centro de processamento dos serviços fronteiriços. Foram recebidos com gritos e cartazes com dizeres como “abaixo a imigração ilegal” e “expulsem-nos”, relata a AFP.

“Não quero doentes, criminosos ou terroristas na minha cidade”, disse à AFP Burke, um habitante de Murrieta, visivelmente irritado. “Tenho compaixão por eles, mas não fui eu que criei os problemas dos países deles e não vou ficar parado a vê-los criar problemas no meu.”

Apesar de casos como os de Murrieta, as sondagens revelam que os norte-americanos apoiam uma reforma da imigração que seja não mantenha as fronteiras tão cerradas e o discurso de Obama neste 4 de Julho aproveita esta tendência. “A simples ideia de acolher imigrantes nas nossas margens está no âmago da nossa existência. Está no nosso ADN”, disse no dia da festa nacional dos EUA. “Se queremos continuar a atrair os melhores e os mais inteligentes que vêm de fora, temos de arranjar o nosso sistema de imigração, que está avariado”. 

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