O desembarque

– Então, lá vamos ter as europeias daqui a mês e meio! Honra lhe seja feita, a vossa lista é bem melhor que a nossa.

– De pouco adianta ser melhor, como sabe, tudo se joga na campanha e como em matéria europeia as diferenças de opinião são menos distintas, tudo se vai centrar ou nas personagens, ou nos assuntos da Pátria – responde o socialista. – É por isso que mal se identificam temas europeus. O meu partido há dois anos fez um figurão: Seguro andou pela Europa a levantar o moral dos socialistas e a alertar para o cataclismo do desemprego e do estrangulamento da economia. Conseguiu ser conhecido lá fora e criar uma agenda cá dentro. Mas parece ter-se cansado dos temas europeus. Mesmo as referências ao candidato dos socialistas a presidente da Comissão, Martin Schulz, têm sido escassas nos últimos tempos.

– Lá isso é verdade – responde o social-democrata –, e sempre lhe digo que o nosso candidato, o ex-primeiro-ministro do Luxemburgo Jean-Claude Juncker, tal como Schulz, é um excelente nome, homem experiente, capaz de responder à letra à chanceler Merkel, e com fortes preocupações sociais. Nada tem que ver com Barroso!

– É verdade – responde o socialista –, até o chamam o mais socialista dos democratas-cristãos europeus! Já viu como eles se entendem bem? Aquele primeiro debate parecia combinado: pouco divergiam e só nos efeitos do desemprego e da austeridade se notavam diferenças.

Esta conversa amena, quase em surdina, passava-se na fila atrás da minha, na última vinda de Bruxelas. Dois altos funcionários, ou talvez empresários, desconhecidos para mim e que felizmente não me reconheceram, debatiam civilizadamente, com a delicadeza da classe executiva, cada um elogiando o partido do outro, aqui e ali criticando o seu próprio. Mais uma vez, vai ser difícil debater temas europeus nas próximas eleições para o Parlamento Europeu.

Talvez tenha sido por isso, e por ver as sondagens a inclinarem-se aos poucos para uma maioria socialista sobre a coligação, que o Dr. Durão Barroso, renegando ser apátrida, desembarcou em Lisboa com uma bateria de comissários, a seis semanas das eleições. Para fazer o quê? Um vago debate europeu sem contraditório, um script de elogios infindáveis ao Governo português com cumprimentos laterias para a resistência do povo à purga! A que se seguirá um rosário de inaugurações para as quais os convidados foram notificados com dia e meio de avanço, não fosse alguém organizar-se para estragar a festa. Uma montagem cénica a que o Presidente se prestou, comparecendo em período pré-eleitoral em iniciativa indisfarçavelmente partidária, elogiando o Governo. Honra lhe seja feita, também repetiu por outras palavras o que Sampaio dissera, há dez anos, sobre haver mais vida para lá do orçamento.

Que esperam os portugueses destas eleições? Nada de muito substancial. Apesar dos esforços das instituições europeias para avivar os temas europeus, apesar das candidaturas personalizadas, com líderes que se espera venham a ser os mais altos dirigentes no próximo ciclo político europeu, a verdade é que se continua a prever uma abstenção enorme. Prenhe de surpresas. Possivelmente, os partidos da extrema-esquerda inverterão a queda lenta nas sondagens para atraírem descontentes dispostos a votar. A abstenção não será apenas dos jovens, 35% dos quais nem têm emprego nem estão na escola nem em formação profissional, e que pouca esperança têm na Pátria, procurando apressadamente saber fazer para saber emigrar. A abstenção será o protesto mudo dos velhos contra o corte das pensões e o aumento dos impostos. A abstenção será o partido da classe média que vota socialista ou social-democrata e que não teve forças para reagir contra o esmagamento financeiro de que foi vítima. Partido em vias de maioritário, a abstenção é a doença crónica das democracias.

E, todavia, este não tem de ser um cenário fatal. Pode bem ser mudado pela atitude de rejeição da mantra paralisante. Graças ao desembarque de Durão Barroso, um candidato putativo a Presidente que mais de 60% dos portugueses não desejam, a opinião pública sentiu um sobressalto: mais um ciclo europeu de incompetência e declínio nos espera se tudo continuar na mesma! Pode ser substituído pelo activo repúdio, pelo erguer da cabeça que crie espaço político e capacidade negocial. Os notadores financeiros não são o papão que se aponta a meninos malcomportados. A Finlândia distante e a Holanda paraíso fiscal não podem ser vistas como a guarda pretoriana de uma suposta moral económica. Há mais vida para baixo do paralelo 38 e para cá do meridiano de Greenwich.

Deputado do PS ao Parlamento Europeu

Sugerir correcção
Comentar