Marine Le Pen é quem espera ganhar mais nas eleições municipais francesas

Frente Nacional quer implantar-se no poder local numas eleições em que a abstenção deve atingir números recordes

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Marine Le Pen Eric Gaillard/REUTERS

Numas eleições municipais que todos os analistas esperam que se joguem em interesses de política verdadeiramente local, há um partido francês que aposta tudo na sua implantação ao nível mais amplo do território: a Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen, o partido de extrema-direita a que falta representação no poder local e profissionalização dos seus políticos. Hoje sem um único presidente de câmara, tem boas hipóteses de, após a primeira volta das eleições, que se realiza este domingo, e a segunda, daqui a uma semana, conquistar pelo menos uma dezena de municípios franceses e eleger um milhar de vereadores.

É verdade que o Partido Socialista (PS) receia o castigo dos seus eleitores, após dois anos de governação do impopular Presidente François Hollande (19% de aprovação), e num momento em que o Governo se encontra mais ou menos tolhido pelos rumores persistentes de que está eminente uma remodelação. Sobretudo, o PS teme a abstenção, que se prevê que vá bater o recorde para umas eleições locais. As sondagens prevêem que possa oscilar entre 37% e 41%, quando em 2008 foi de 33,5%, e esse valor foi já um recorde, sublinha o jornal Le Monde. E os especialistas em sondagens dizem que a UMP, o grande partido do centro-direita, está a conseguir mobilizar mais os seus eleitores – dão-lhe uma vantagem de cinco a seis pontos sobre o PS.

Segundo valores citados pelo Le Monde, 17% dos franceses dizem querer utilizar estas eleições para manifestar a sua oposição ao Presidente e ao Governo. Os socialistas encontram-se em dificuldade em cidades como Amiens, Reims, Estrasburgo, Metz, Caen, Angers, Laval, Valence. No entanto, têm boas perspectivas em grandes cidades como Paris, Marselha e Lyon e têm esperança de poder conquistar para a esquerda cidades como Aix-en-Provence, Avignon, Bayonne, Calais, Mulhouse, ou Nancy.

Mas algo com que todos têm de contar é que a confiança nos políticos e nos partidos está em curva descendente, em França tal como em outros países europeus: apenas 8% dos cidadãos dizem confiar nos partidos, escreve o Le Monde, e 88% consideram que os políticos não se importam com o que pensam os franceses.

Esse sentimento talvez possa ser ilustrado com o que se passa com a acumulação de mandatos. Apesar de uma sondagem LH2 para a rádio France Bleu e a imprensa regional mostrar que 80% dos franceses são a favor da aplicação mais estrita da nova lei que prevê a interdição, a prazo, desta prática, que permite que haja deputados que são presidentes de câmara, por exemplo, uma boa quantidade dos deputados da Assembleia Nacional e dos senadores não resistiram a candidatar-se também às eleições municipais. Assim, concorrem 180 deputados e 91 senadores, aproveitando o facto de a lei lhes dar até 2017 (para os deputados) ou 2020 (para os senadores) para se adaptarem à não acumulação de mandatos, segundo um estudo do Observatório da Vida Política e Parlamentar, citado pelo Le Figaro.

O peso dos “casos”
Há uma interrogação sobre se a sucessão de “casos” que cheiram a corrupção nos últimos tempos, que têm afectado sobretudo a UMP poderão influenciar as escolhas dos eleitores. Há o caso das escutas feitas ao ex-Presidente Nicolas Sarkozy que sugerem ter havido tráfico de influências e desejo de influenciar uma decisão do Supremo Tribunal francês. Há também a abertura de um inquérito preliminar sobre o líder do partido, Jean-François Copé, por haver indícios de que atribuiu a empresas de amigos seus contratos avultados pagos pela UMP, sem concurso. E há ainda as gravações que um conselheiro de Sarkozy, Patrick Buisson, fez de conversas tidas no Eliseu, de Sarkozy e da primeira-dama, Carla Bruni, entre outros, que foram divulgadas na imprensa.

Jean-François Copé fixou o objectivo de obter a maioria em 1114 municípios com mais de 9000 habitantes, 55% das quais são hoje lideradas pela esquerda – isto representaria um ganho de 50 cidades ao PS e aos seus aliados, explica o jornal Le Figaro. Não seria exactamente uma “vaga azul”, mas seria a dimensão de uma vitória suficiente. Mas será realista?

“É difícil de dizer se a sucessão de casos pesará na escolha, mas não acredito. É um voto antes de mais local”, disse ao Le Monde Brice Teinturier, director-geral do instituto de sondagens Ipsos. No entanto, podem afastar os eleitores das urnas. “A sucessão de ‘casos’ não modifica a relação de forças, mas pode influenciar a mobilização”, comenta ao mesmo jornal Frédéric Dabi, director-geral adjunto de outro instituto de sondagens, o IFOP.

Candidatos à força
Esta situação pode, por um lado, beneficiar o partido de Marine Le Pen, que faz campanha contra aquilo a que chama a “UMPS”, aglutinando as siglas da UMP e do PS, e configurando a Frente Nacional como uma alternativa, um partido de protesto.

A FN concorre em 597 municípios – um grande esforço face aos 119 das eleições de 2008, e para um partido que sofre de falta de quadros qualificados, o que se nota em algumas trafulhices noticiadas pela imprensa francesa. Como o caso dos candidatos que já estão mortos, ou cujo nome foi colocado nas listas sem que tenham percebido – julgavam estar a pôr a sua assinatura num documento de apoio à Frente Nacional, mas não a candidatar-se. Eram sobretudo pessoas de pouca cultura, ou de idade avançada e com Alzheimer, relata o Le Monde.

O partido que é contra a concessão do voto a estrangeiros nas eleições municipais consegue também o feito de integrar muitos cidadãos europeus nas suas listas – entre os quais vários portugueses, noticiou a AFP.

Em 200 destas cidades Marine Le Pen obteve mais de 17% dos votos nas eleições presidenciais de 2012 – são portanto locais promissores para a conquista territorial da FN. Uma dessas cidades é Hénin-Beaumont, com 26.000 habitantes, a cidade do Nord-Pas de Calais de tradições mineiras pela qual a líder da FN quase foi eleita. Steeve Briois, o líder frentista local, que se tornou uma das principais figuras do partido com Marine Le Pen, está a ser dado como o provável vencedor na disputa pela câmara com o candidato apoiado pelos vários partidos de esquerda, embora apenas com umas décimas acima dos 50%.

O eleitorado FN divide-se por duas zonas: no Norte e Leste, regiões onde antes havia grandes indústrias e agora são marcadas pelo desemprego, onde Hénin-Beaumont é exemplar, e no Sudeste, junto ao Mediterrâneo. Como estas eleições têm duas voltas, a FN poderá forçar um número invulgarmente alto de segundas votações – e ter a oportunidade de pôr à prova a capacidade dos candidatos do centro-direita em apoiar os da esquerda, se estes tiverem mais oportunidades de ganhar, e vice-versa, um exercício sempre complicado.

A FN e vários analistas estimam que o partido pode conseguir pelo menos uma dezena de presidências de câmara e um milhar de vereadores.

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