Cameron impõe limites à imigração europeia e acena com saída da UE

Cidadãos comunitários terão de trabalhar quatro anos no Reino Unido antes de poderem aceder a prestações sociais. Bruxelas diz que propostas devem ser discutidas “calma e cuidadosamente”.

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“As nossas propostas não são despropositadas. Merecemos ser ouvidos e temos de ser ouvidos”, afirmou Cameron OLI SCARFF/AFP

Não foi o ultimato que os eurocépticos pediam, mas o primeiro-ministro britânico apresentou nesta sexta-feira um conjunto de propostas sem precedentes com o objectivo de reduzir o número de cidadãos comunitários que chegam ao Reino Unido para trabalhar ou procurar emprego. Numa interpretação que não é unânime, David Cameron disse que muitas dessas mudanças exigem uma alteração nos tratados da União Europeia, mas avisou os parceiros que se não aceitarem negociar estarão a colocar o país mais próximo da saída.

As reacções ao muito aguardado discurso – que Downing Street prometia desde que o Partido da Independência (UKIP) venceu as eleições europeias de Maio – dividiam-se. De um lado, os que elogiavam Cameron por ter encontrado o “equilíbrio certo” entre a defesa da imigração como uma mais-valia para o país e a resposta à inquietação da opinião pública com a pressão que os recém-chegados estão a colocar sobre os serviços. Do outro, os que interpretaram as palavras do primeiro-ministro à luz do cerco a que o UKIP tem vindo a montar em torno dos conservadores: à esquerda, acusaram-no de seguir a retórica da imigração dos populistas; na ala eurocéptica dos tories muitos duvidam que as suas propostas, a avançar no caso de uma ainda incerta reeleição em 2015, sejam suficientes para convencer quem exige “medidas imediata”.

O objectivo de Downing Street “era produzir um discurso que fosse visto como exequível e, ao mesmo tempo, não soasse a uma intervenção que poderia ser feita por Nigel Farage”, o líder do UKIP, escreveu o editor de política da BBC, Nick Robinson. O líder conservador começou precisamente o discurso afirmando-se orgulhoso da “democracia multirracial e bem-sucedida” que continua a atrair pessoas de todo o mundo, e lançou uma farpa aos rivais à sua direita: “Somos o Reino Unido por causa da imigração, não apesar dela”.

Mas o propósito essencial da intervenção era outro. O que disse marca um endurecimento inédito na política de imigração do Governo britânico, mesmo que tenha desistido da ideia de impor limites anuais à entrada de cidadãos europeus, como chegou a ser noticiado, levando os restantes Estados-membros a avisar que não aceitariam restrições à liberdade de circulação. Em alternativa, Londres quer tornar o seu mercado laboral menos atractivo para os trabalhadores pouco qualificados dos países mais pobres da UE – que diz constituírem o grosso das centenas de milhares que na última década chegaram ao país.

Para isso, defende que só ao fim de quatro anos de trabalho no Reino Unido os cidadãos comunitários possam aceder a apoios sociais, sejam os créditos fiscais atribuídos pelo Estado a quem aufere salários mais baixos, sejam os subsídios atribuídos a quem tem filhos. Da mesma forma, nenhum recém-chegado poderá candidatar-se a habitação social durante quatro anos e o Governo pretende deixar de pagar os abonos aos filhos de imigrantes que não residam no país. “Não admira que tantas pessoas queiram vir para cá. Estes subsídios são um forte incentivo financeiro e sabemos que há pelo menos 400 mil imigrantes europeus que os reclamam”, disse Cameron.

Revisão dos tratados
Mas o líder conservador quer ir mais longe. Quer que só quem tenha emprego ou condições de o encontrar a breve prazo se mude para o seu país. Assim, propõe que os imigrantes europeus percam o direito aos apoios atribuídos a quem procura trabalho e diz que quem não tenha emprego ao fim de seis meses “receberá ordens para sair”. Não é, no entanto, claro que instrumentos legais Londres pode usar para expulsar cidadãos da UE. A legislação europeia estipula que mesmo quem não tem emprego pode permanecer noutro país da união por mais de três meses se provar ter meios de subsistência e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da UE entende que o direito é extensível a quem está à procura de trabalho.

A proposta será, assim, uma das que Downing Street entende que obrigará a uma reforma dos tratados – uma ideia que é contestada por alguns juristas e que não agradará certamente a muitos líderes europeus, receosos de que uma revisão abra uma "caixa de pandora" num momento em que a UE deveria estar concentrada na recuperação da economia. Mas o primeiro-ministro fez saber que não aceitará um “não” sem negociação.

“As nossas propostas não são despropositadas. Merecemos ser ouvidos e temos de ser ouvidos”, afirmou Cameron, sublinhando que a introdução de mecanismos para limitar a imigração no espaço europeu “será uma condição absoluta da renegociação” que quer iniciar com Bruxelas antes do referendo que prometeu organizar em 2017 sobre a permanência do Reino Unido na UE.

Ao contrário do que lhe pedia a ala eurocéptica dos tories, não anunciou que fará campanha contra a permanência do país na UE se os parceiros recusarem as reformas que propõe. Mas ficou muito perto, quando afirmou: “Se as nossas preocupações caírem em saco roto e não conseguirmos melhorar a nossa relação com a UE, então não excluo nenhuma possibilidade”.

A imprensa britânica adianta que, antes do discurso, o primeiro-ministro britânico telefonou ao presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, à chanceler alemã, Angela Merkel, e à primeira-ministra polaca, Ewa Kopacz. Londres acredita que Berlim e Varsóvia estão disponíveis para dialogar e nesta sexta-feira recebeu sinais positivos de Bruxelas. Aliviada talvez por Cameron ter deixado de lado as propostas mais radicais, a Comissão limitou-se a afirmar que as propostas de Londres “fazem parte do debate” e devem ser discutidas “calma e cuidadosamente”.

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