Ataques americanos reaproximam grupos jihadistas rivais na Síria

Entrada americana no conflito está já a ter consequências no terreno. Oposição moderada pede a Washington que ataque também o regime de Assad

Foto
Apoiantes da Frente Al-Nusra em Alepo Fadi al-Halabi/AFP

Washington insiste que não existe qualquer cooperação com Damasco e que, a par dos ataques aéreos contra as bases do Estado Islâmico, vai redobrar o apoio à oposição moderada. Mas a entrada dos Estados Unidos na guerra da Síria está já a mudar o curso dos acontecimentos – uma consequência inevitável que a decisão de bombardear também a Frente al-Nusra, um dos mais eficazes adversários de Bashar al-Assad no terreno, precipitou.

“Estes países cometeram um acto horrível que os coloca na lista de alvos dos jihadistas em todo o mundo”, avisou durante o fim-de-semana Abu Firas al-Suni, porta-voz do grupo radical sunita, que é visto como o braço da Al-Qaeda na Síria. Suni referia-se aos mísseis Tomahawk que na madrugada de terça-feira foram lançados contra bases nos arredores de Alepo e da província vizinha de Idlib.

O Pentágono alega que os ataques, que inauguraram a ofensiva contra os jihadistas na Síria, visaram uma célula da Al-Qaeda, conhecida por grupo Khorasan, que estaria a aproveitar-se da guerra para preparar atentados no Ocidente. Mas outras fontes admitem que o Khorasan não é uma entidade autónoma e que o objectivo da operação americana foi enfraquecer a Al-Nusra, uma das forças dominantes na região de Alepo. O Observatório Sírios dos Direitos Humanos adiantou que pelo menos 50 rebeldes foram mortos – entre eles Abu Yusuf Turki, um dos comandantes dos islamistas, e Mohsin al-Fadhli, alegado líder do Khorasan – um dia depois o grupo retirou de várias bases que ocupava nos arredores de Alepo.

Não é claro se o regime sírio, que há dois anos trava com a oposição uma sangrenta batalha pelo controlo da cidade, se aproveitou deste recuo. Certo é que, após os ataques, dezenas de combatentes da Al-Nusra se passaram para as fileiras do Estado Islâmico. Os dois grupos partilham a mesma ideologia, mas rivalizam pela liderança do movimento jihadista e nos últimos meses travaram sangrentas batalhas no Norte e Leste do país. Mas admitem agora unir forças para enfrentar o inimigo comum – o jornal Guardian noticiou que houve já reuniões conjuntas de planeamento militar. As acções do Estado Islâmico “não vos devem colocar do lado do Ocidente numa aliança que eles querem usar para acabar com a Jihad”, disse o líder da Al-Nusra, Abu Muhamad al-Jawlani, numa mensagem dirigida às restantes facções

Em Alepo houve também protestos contra a acção americana. “A Al-Nusra veio ajudar-nos quando todo o mundo nos abandonou”, lia-se numa faixa exibida numa manifestação sexta-feira passada, conta a AP. O próprio Exército Livre da Síria, que agrupa facções da enfraquecida oposição secular que Washington promete ajudar, não esconde o desalento à medida que se torna claro que os aviões americanos não vão atacar alvos do regime – opção que agradaria aos aliados árabes mas que poria em risco o consenso que Washington quer construir em torno da luta contra os radicais. “O Estado Islâmico é tanto nosso inimigo como o regime de Assad”, disse à BBC Hussam al-Marie, porta-voz da organização.

Domingo, na mesma entrevista à CBS em que reconheceu que os serviços secretos norte-americanos subestimaram a ameaça que o Estado Islâmico representava, o Presidente Barack Obama admitiu que há uma contradição inerente à intervenção americana na Síria: “Não vamos estabilizar a Síria com Assad no poder […] Mas por outro lado, em termos de ameaça imediata, o Estado Islâmico ou o Khorasan podem matar americanos”.

No terreno, os aviões bombardearam na última noite posições em Raqqa, a autoproclamada capital do Estado Islâmico, e alvos petrolíferos no Leste do país. Mas os jihadistas mantêm-se ao ataque em Kobani, estratégica cidade curda na fronteira com a Turquia. Nesta segunda-feira estariam a menos de 5 km da entrada e vários obuses trocados com os guerrilheiros curdos caíram em território turco, o que levou o Exército a reforçar a fronteira com dezenas de blindados.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários