A invasão russa do Leste da Ucrânia pode acontecer na forma de “ajuda humanitária"”

Ucrânia denuncia tentativa russa de entrada no país, algo que seria considerado como “invasão”.

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Guarda fronteiriço ucraniano Anatolii Stepanov / AFP

A estratégia do Ocidente para lidar com o papel da Rússia na crise ucraniana entrou no domínio da antecipação. Nos últimos dias, multiplicaram-se os alertas de que o exército russo pode estar prestes a avançar para dentro da Ucrânia, aproveitando vários factores conjunturais.

Uma reunião de urgência do Conselho de Segurança da ONU foi convocada na sexta-feira à noite, durante a qual a Rússia insistiu na necessidade de enviar uma “missão humanitária” para o Leste da Ucrânia, onde há quatro meses o exército combate grupos separatistas.

A missão seria constituída pela Rússia e apoiada pela Cruz Vermelha, segundo o embaixador russo na ONU, Vitali Churkin. Uma porta-voz da organização confirmou a recepção do pedido para enviar uma missão para a Ucrânia, mas indicou que é necessário que “todas as partes, Kiev, a Rússia e os rebeldes, estejam de acordo”.

Os EUA rejeitaram a proposta de imediato, considerando que qualquer tipo de ajuda “deve ser encaminhada pelas organizações humanitárias que têm essa experiência, e não pela Rússia”. A embaixadora norte-americana na ONU, Samantha Power, quis deixar bem claro que “toda a intervenção suplementar da Rússia na Ucrânia será totalmente inaceitável e considerada como uma invasão".

Já durante a semana, o primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, - um dos líderes europeus que mais tem condenado Moscovo – afirmou ter informações que indicam a existência de um risco elevado de uma intervenção russa na Ucrânia. O presidente norte-americano, Barack Obama, numa entrevista publicada este sábado pelo New York Times, admitiu que a Rússia “pode invadir” a Ucrânia, o que tornaria “muito mais difícil” o retorno a uma relação cooperativa entre Washington e Moscovo.

A entrada de um contingente russo na Ucrânia esteve muito perto de acontecer, de acordo com um alto dirigente ucraniano. Kiev recebeu informações de que um grupo de veículos russos em “missão humanitária” se dirigia para a fronteira ucraniana, contou Valeri Chaly, número dois da administração presidencial, durante um programa televisivo.

O presidente ucraniano, Petro Poroshenko, reuniu de emergência com os serviços de segurança e contactou o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, e ainda o presidente da Cruz Vermelha. O chefe da diplomacia ucraniana, Pavlo Klimkin, acabou por receber do seu homólogo russo, Sergei Lavrov, a garantia de que a comitiva não iria entrar em território ucraniano. “Esta provocação poderia ter resultado num desenvolvimento imprevisível dos acontecimentos e uma subida das ameaças”, sublinhou Valeri Chaly.

A diplomacia russa negou as acusações, qualificando-as de "contos de fadas". "Kiev é cada vez mais criativo quando inventa contos de fadas", disse Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros, acrescentando que para que a ajuda humanitária fosse enviada seria necessário preencher vários requisitos.

Se é de facto uma intervenção directa no território ucraniano o passo seguinte do presidente russo, Vladimir Putin, então o momento poderá ter chegado. Se é de facto uma intervenção directa no território ucraniano o passo seguinte do presidente russo, Vladimir Putin, então o momento poderá ter chegado. Em Dontesk, o “primeiro-ministro” dos separatistas, Alexandre Zakhartchenko, fez saber que está disposto a um cessar-fogo para evitar “uma catástrofe humanitária” e pediu ao exército ucraniano para cessar as hostilidades contra a cidade que está “cercada” e numa situação desesperada. O apelo foi ouvido em Moscovo.

Pouco depois, o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov, telefonava ao seu homólogo norte-americano, John Kerry, a pedir-lhe que os EUA apoiem “a iniciativa russa de enviar uma missão humanitária ao leste da Ucrânia, em coordenação com todas as estruturas internacionais competentes”. O objectivo, explicou, é fazer face “à crise humanitária iminente” naquela região.

Com as atenções concentradas no Médio Oriente, onde ao conflito na Faixa de Gaza se junta a operação militar norte-americana no Iraque, o Kremlin pode encontrar aqui uma “janela de oportunidade” para entrar na Ucrânia.

O método poderá não ser uma invasão armada do exército. Uma situação dessas iria despertar uma reacção ainda mais forte por parte da Europa e dos EUA, que iriam agravar as sanções económicas. Para além disso, Moscovo revelou na sexta-feira que os exercícios militares que tinha vindo a realizar perto da fronteira com a Ucrânia terminaram e que as unidades mobilizadas – cerca de 20 mil, segundo a NATO – iriam regressar às suas bases. A opção mais viável, como escreve na Foreign Policy Michael Weiss, editor de uma revista que transcreve a imprensa russa, seria a de tentar reestabelecer vias de contacto com as forças rebeldes, actualmente confinadas e isoladas a duas cidades: Donetsk e Lugansk.

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