Presidente da Refer: TGV Lisboa-Porto não traz grandes ganhos económicos

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Rui Loureiro era presidente da Refer Enric Vives-Rubio

O presidente da Refer, Rui Loureiro, diz que vai avançar a construção da linha para mercadorias entre Évora e Badajoz, em bitola ibérica, ficando o TGV para "quando houver dinheiro".

À frente da companhia que gere a rede ferroviária desde há pouco mais de um mês, com grande parte da sua vida profissional ligada à antiga Sorefame (mais tarde ABB e Bombardier), Rui Loureiro diz que vai fazer uma "cimeira" com os operadores (CP, CP Carga, Fertagus e Takargo) para discutir - num cenário de poucos recursos – onde é que estes podem ser aplicados para melhorar a rede.

Qual é a situação do projecto de alta velocidade?

Foi feita uma nova proposta de financiamento ao POVT Fundos Comunitários para o troço Évora-Caia, motivada por adaptações temporais do projecto acordadas com Espanha. A linha será em bitola ibérica porque os espanhóis ainda não têm a linha deles em bitola europeia, mas as travessas estarão preparadas para, quando for possível, rapidamente se mudar de uma bitola para outra.

E as velocidades?

Será uma velocidade média, da ordem dos 220 km/hora. No entanto, a plataforma estará preparada para a alta velocidade, que só avançará quando o país tiver recursos para tal.

Qual o valor desse investimento e quanto é que candidataram ao POVT?

Cerca de 650 milhões de euros para esse troço.

E qual a calendarização?

Penso que para o ano já será possível avançar com a preparação para um concurso, caso os estudos previstos realizar em 2013 se encontrem concluídos.

Isto implica uma renegociação com o consórcio Elos [que ganhara o contrato do TGV para o troço Poceirão-Caia]?

Terá de ser feito um novo concurso, tendo em consideração a alteração de planeamento que se está a acordar com Espanha.

Qual a sua opinião sobre a alta velocidade? Deve ser tudo repensado ou deve-se concretizar o projecto anunciado quando houver dinheiro?

Tem que ser repensada. Somos um país demasiado pequeno para ter alta velocidade para o Norte, para o Sul, para o Centro. Se me disser que precisamos de um comboio que ande mais depressa, que permita fazer Lisboa-Porto em pouco mais de duas horas, ou em duas horas, aí sim. Agora ter um TGV Lisboa-Porto que poupa 15 minutos, não penso que tenha grandes ganhos económicos.

Acha que faz mais sentido o Lisboa-Madrid do que o Lisboa-Porto, é isso?

Lisboa-Madrid é uma questão europeia. É um compromisso europeu e português, que deve ser cumprido quando houver dinheiro. Mas um comboio de alta velocidade para servir o próprio país, internamente, acho que é um investimento exagerado.

A Rave (Rede de Alta Velocidade) foi extinta e integrada na Refer. Perdeu-se o know-how que o país tinha adquirido sobre a alta velocidade ferroviária ou isso ficou salvaguardado?

Esse know-how mantém-se. Tem sido feito um esforço para que a Refer mantenha a sua capacidade de engenharia que deverá, inclusivamente, ser expandido. Estamos a tentar o mercado angolano, onde há um projecto ambicioso de modernização e construção de novas linhas, o Norte de África e o Brasil.

Que orientações tem para as empresas participadas – Refer Património, Refer Telecom, Ferbritas? A sua manutenção, integração na empresa-mãe, extinção, ou venda?

Temos dois casos distintos: a Refer Telecom e as outras. Relativamente à Refer Património, não é um problema. Embora seja uma empresa, é como se fosse uma direcção-geral do património. Está a fazer o seu trabalho para que o nosso património possa ser valorizado e rentabilizado. A Ferbritas tem uma capacidade enorme de engenharia que, naturalmente, é excedentária se a juntarmos à Refer. Estamos a estudar a possibilidade de uma eventual concessão por forma a manter o seu know-how, que não deve ser desperdiçado.

E a Refer Telecom?

A Refer Telecom não é um problema. Ela tem uma participação grande no mercado na comercialização dos nossos excedentes de fibra óptica, mas tem o seu crescimento limitado em Portugal, o que quer dizer que teremos de ver a possibilidade de internacionalização.

E está prevista a sua integração na Refer?

Não, isso não está previsto, nem a sua abertura a privados.

Não há dinheiro, logo não há investimento. Vamos ter investimento zero na Refer em 2013?

Não! O volume de investimento será da ordem dos 65 milhões, distribuídos por diferentes obras. Algumas que estão em curso, outras nas linhas do Norte, Minho e Sul. Em Cascais, prevemos intervir na catenária. Na Linha do Leste na estabilização da plataforma para permitir a ligação Caia-Badajoz. Estão previstos estudos e projectos para Nine-Valença, no Minho, no Ramal de Ligação ao Porto de Aveiro e no troço Ovar-Gaia na Linha do Norte. A supressão de passagens de nível também irá continuar.

Como se devem articular os investimentos do gestor da infra-estrutura com os do operador (CP)?

É verdade que por vezes as prioridades e investimento não são coincidentes, mas vão passar a sê-lo. Vamos fazer uma cimeira entre a Refer e os vários operadores [CP, CP Carga, Fertagus, Takargo]. Nesta altura em que temos tão pouco dinheiro, temos que ver onde o aplicamos melhor.

Porque fala numa cimeira e não numa reunião de trabalho?

Porque acho que é uma questão estratégica que tem de ser vista pelas diferentes administrações das empresas. Depois poderão ser formadas equipas de trabalho.

O PET contemplava a possibilidade de a Refer vir a gerir as infra-estruturas do Metro de Lisboa. Como está esse processo?

Está em análise. É preciso ver se é possível fazer essa transferência sem custos acrescidos. Pode vir a haver sinergias no que diz respeito à manutenção das linhas. É uma questão de se fazer contas.

As linhas recentemente encerradas, como Beja-Funcheira, o ramal de Cáceres (Marvão-Torre das Vargens) e a linha da Figueira da Foz a Cantanhede e Pampilhosa vão ter uma manutenção mínima ou ficarão definitivamente abandonadas, a apodrecer, como tantas outras no país?

Se não houver perspectivas de virem a reabrir, elas são consideradas fechadas definitivamente e serão retirados os carris. A estratégia de manter linhas tem de ser reequacionada.

Na rede convencional, a lógica que tem levado a fechar linhas porque não há mercado deve também ser aplicada ao contrário: abrir linhas para onde há mercado? Por exemplo, a ligação a Viseu...

Naturalmente. Se se provar que Viseu tem capacidade para justificar uma ligação, seria de pensar nisso, sim.

O afastamento do gestor da infra-estrutura da realidade do mercado e sua sujeição a critérios quase estritamente financeiros não serão um problema para a coerência da rede ferroviária nacional?

Creio que não. A manutenção das linhas passa muito pelas necessidades do operador. Se um operador deixa de usar uma linha, ou nós deixamo-la estar com uma manutenção mínima, ou ela fecha. Portanto, não me parece que o facto de não haver uma única entidade seja pernicioso para o desenvolvimento da ferrovia. Pode haver operadores locais que queiram desenvolver trajectos numa região e que podem ser mais agressivos e ter mais sucesso do que um operador nacional que tem tendência a ver a floresta e não as árvores. Por exemplo, a Fertagus, que é o único operador privado de passageiros, trabalha de uma forma coordenada. Conseguiram fazer com a rodoviária acessos directos para carregar o comboio. Em relação à CP, há dificuldades com os operadores rodoviários que lhe estão sobrepostos. É importante a cooperação entre operadores rodoviários e ferroviários para o desenvolvimento da ferrovia.

Como é que vão resolver o problema da Linha de Cascais?

Efectivamente, a linha tem equipamentos muito antigos ao nível da catenária e sinalização. Projecto de modernização, há. Vontade, também. Dinheiro, não.

Já houve diálogo com a tutela para inserir a modernização desta linha num pacote a negociar com privados no âmbito da sua concessão ou privatização?

Tem havido diálogo nesse sentido. Mas é evidente que uma privatização com entrega da infra-estrutura é possível. Agora nós não fazemos propostas dessas à tutela, que fará como achar melhor. A opinião da Refer é que a existência de outros operadores é bem-vinda.

O processo Face Oculta teve consequências na Refer. Há vontade para ir até ao fim e esclarecer tudo o que aconteceu nesta casa, ou entende que isso é matéria exclusiva do forum judicial?

É um processo que me antecede, está entregue aos nossos serviços jurídicos. A Refer preocupou-se com isso e instaurou processos disciplinares com intenção de despedimento. Sucede, porém, que o que é prova em tribunal não é prova no processo disciplinar.

Quer dizer que uma condenação de um funcionário corrupto em tribunal não é motivo para que a empresa o possa despedir?

Não. Mas é claro que há uma vontade de irmos até ao fim, só que sujeitos a estas limitações.

Em 2010 a Refer teve prejuízos operacionais de 109 milhões de euros, em 2011 foram de 89 milhões. E este ano?

Este ano estimam-se em 46 milhões e em 2013 esperamos reduzir esses prejuízos para apenas 8 milhões de euros.

O Orçamento do Estado prevê para as empresas públicas de transportes e de infra-estruturas uma redução do número de trabalhadores até ao fim de 2013 na ordem dos 20% face a 1 de Janeiro de 2011. Já atingiram essa percentagem ou vai ser dramático alcançá-la?

Estamos muito perto disso. No ano passado foram feitas mais de 600 rescisões. Penso que até ultrapassamos um bocadinho. A anterior administração fez um bom trabalho nesse aspecto.

E quanto aos cortes de 15% exigidos para as empresas públicas? Quem já tinha feito um bom trabalho a reduzir despesas é agora penalizado por já não ter deixado mais margem para cortar?

Não necessariamente. Mas temos que tentar. Se me perguntar se o nosso orçamento tem margem para isso, eu digo-lhe que não tem. Isto é: não há nenhum "saco azul" que tenha sido previsto onde possamos cortar os 15%. Não vai ser fácil.

Segundo o OE, os cortes em comunicações e em despesas de alojamento, de representação e deslocação terão de ser reduzidas em 50%.

Já estamos tão limitados.... Todas essas reduções já foram feitas na Refer. Nós reduzimos significativamente esse tipo de despesas. Estamos a rever o nosso plano de viagens, de participações em reuniões, etc.

A Refer é a terceira empresa pública com maiores necessidades de financiamento. Precisa de 733 milhões de euros em 2013 para fazer face ao seu serviço de dívida. Como vai fazer?

Recorrendo a empréstimos do Tesouro. Não há outra via. Não temos receitas, nem sequer podemos ir à banca pedir empréstimos. Não há outra hipótese.

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