Sector automóvel critica fiscalidade verde

Aumento de impostos e incentivo apenas para carros eléctricos considerados insuficientes para reduzir as emissões de CO2.

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Só os carros eléctricos terão direito a um incentivo na hora de se deitar um carro velho fora Fernando Veludo/NFactos

O impacto da reforma da fiscalidade verde sobre o sector automóvel está a ser criticado por quem faz, vende, conduz e recicla carros. Seja pelos fracos incentivos à renovação da frota automóvel, seja pelo aumento de impostos, ninguém entre os agentes do sector ficou satisfeito.

A Associação Automóvel de Portugal (Acap), que representa a indústria e o comércio, está particularmente desiludida com a reintrodução apenas parcial do incentivo ao abate dos veículos em fim de vida.

Até ser suspenso em 2011, o sistema oferecia um desconto no imposto pago na compra de um carro novo, se um automóvel com mais de dez anos fosse entregue a um centro autorizado de abate. O Governo quer retomar a ideia, mas apenas para os casos em que o veículo novo seja eléctrico ou híbrido.

“É um nicho de mercado”, afirma Hélder Pedro, secretário-geral da Acap. Segundo dados da Agência Europeia do Ambiente, em Portugal foram registados apenas 207 carros eléctricos ou híbridos em 2013, entre 105.000 automóveis ligeiros vendidos. Em toda a Europa, representam apenas 0,5% dos carros novos.

Em cima da mesa do Governo esteve uma proposta mais alargada, que incluía um incentivo para o abate de carros velhos por qualquer carro novo, desde que as suas emissões de CO2 não ultrapassassem os 100 gramas por quilómetro. Mas a ideia caiu no Conselho de Ministros de quinta-feira, que só manteve o benefício para a troca por carros eléctricos puros (menos 4500 euros no ISV) ou híbridos plug-in  (menos 3250 euros).

O ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva, disse ao PÚBLICO que adoptar o incentivo na sua forma mais alargada prejudicaria a balança comercial, devido à importação de automóveis novos.

“É um mau argumento”, refuta Hélder Pedro, dizendo que o sector automóvel tem um impacto positivo na balança comercial. Por cada 100 euros na importação de automóveis, o país exporta 107 em componentes. “Fechar as portas no século XXI e numa Europa sem fronteiras é um contra-senso”, diz o secretário-geral da Acap.

O sector automóvel tem atravessado anos difíceis. A crise derrubou as vendas para 91 mil unidades em 2012 – o menor valor desde 1985. Em 2013, houve uma ligeira recuperação, sobretudo devido à compra de veículos para frotas e empresas de aluguer de carros.

A idade média dos veículos ligeiros que circulam no país subiu de 8,4 anos em 2005 para 11,7 em 2013. Os que são enviados para abate rondam já os 20 anos, em média. A renovação do parque automóvel é defendida pela Acap como uma forma eficaz de se reduzir as emissões de CO2 do sector.

Também a reciclagem de carros usados tem sofrido nos últimos anos – com a crise e com o fim do incentivo ao abate. Em 2008, cerca de 88 mil foram recebidos na rede de empresas de desmantelamento da Valorcar, a sociedade criada pela indústria para garantir destino adequado aos veículos em fim de vida. O número caiu drasticamente para 51 mil em 2011, quando foi suspenso o incentivo ao abate. Em 2013, estava em 58 mil.

A Valorcar considera positivo que seja reintroduzido o incentivo pelo menos para os carros eléctricos, mas entende que a medida é curta. “O incentivo ao abate de veículos que emitam menos de 100 gramas por quilómetro poderia aumentar substancialmente o impacto do programa, contribuindo para renovar o parque automóvel nacional e, simultaneamente, reduzir a média de emissões nacional”, defende Ricardo Furtado, director executivo da Valorcar.

O presidente do Automóvel Clube de Portugal (ACP), Carlos Barbosa, critica fortemente a decisão do Governo, dizendo que o incentivo ao abate “é insuficiente e ridículo” e que a medida “é mais uma coisa de fachada”, segundo afirmou à agência Lusa.

Carlos Barbosa queixa-se de que o sector automóvel é o “elo fraco” a pagar a factura. “Neste momento, já representa 30% dos impostos em Portugal”, disse.

As duas medidas mais importantes da fiscalidade verde – a taxa de carbono, sob a forma de um aumento dos combustíveis, e o agravamento do ISV – tocam directamente aos automobilistas.

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