Saída (limpa) ou primeiro passo?

O dia 17 de Maio marcará apenas o fim da primeira de várias etapas que como país teremos de percorrer.

No passado domingo, o primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, anunciou ao país a decisão do Governo português de não recorrer a um programa cautelar após o término, a 17 de Maio, do programa de ajustamento negociado com os nossos credores internacionais.

Ao optar por tal solução, baptizada como “saída limpa” pelo Governo irlandês aquando da saída do seu próprio programa de ajustamento, o Governo escolheu não aceder ao programa de compra de obrigações soberanas do Banco Central Europeu, OMT (Outright Monetary Transactions). Por outras palavras, o Governo decidiu-se por um regresso ao financiamento do país em termos normais de mercado, sem a rede de segurança que o programa OMT poderia constituir.

Na base de tal decisão terão estado considerações de vária ordem. Em primeiro lugar, o calendário eleitoral. Na sequência de um processo de ajustamento que exigiu dos portugueses amplos sacrifícios, o Governo entendeu ser esta a melhor forma de sinalizar ao país os progressos no restabelecimento da saúde das finanças públicas que tais sacrifícios permitiram. Em segundo lugar, o pouco apetite demonstrado por alguns Estados-membros da União Europeia – com a Alemanha à cabeça – por um programa cautelar. Com eleições europeias à porta e a necessidade de convencer o eleitorado de que a denominada crise do euro caminha para uma solução, uma discussão nos Parlamentos nacionais sobre novas ajudas, directas ou indirectas, aos Estados-membros sob programas de ajustamento não era cenário particularmente desejado. Em terceiro lugar, as dúvidas sobre as condições associadas ao programa OMT, o qual não foi, até à data, testado na prática. Em quarto e último lugar, o efectivo progresso registado no processo de consolidação das contas públicas – o saldo orçamental primário é actualmente positivo, tendo o défice anual sido reduzido em mais de metade comparativamente àquele que existia no início do programa de ajustamento – e a situação de bonança de que beneficiam as obrigações periféricas, a qual permitiu ao Governo acumular uma reserva de liquidez de cerca de 15 mil milhões de euros e ter, assim, as necessidades de financiamento do Estado cobertas para o futuro imediato.

Seria, no entanto, um erro pensar que os progressos que permitiram a opção pela “saída limpa” – cenário, diga-se em abono da verdade, crível para muito poucos há apenas um ano –, são de natureza a permitir uma atitude complacente por parte deste e de futuros Governos.

Existem, em primeiro lugar, riscos externos. Parece, com efeito, indesmentível que os resultados alcançados até à data resultam, em parte, de uma conjuntura externa que, com o tempo, se foi tornando mais favorável e que não é necessariamente perene. Contra a expectativa de muitos, a intenção declarada do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, de fazer “tudo o que seja necessário” para preservar o euro nunca foi verdadeiramente testada pelo mercado das obrigações soberanas. Esse facto será em parte explicável pela evolução da atitude alemã ao longo da crise do euro. Após a realização de um diagnóstico inicial fundamentalmente errado sobre as causas da crise do euro, o qual o amarrou, perante o seu eleitorado, a soluções erradas, o Governo alemão foi progressivamente percebendo quais eram os melhores interesses da Alemanha e deixando sinais de que não deixaria o euro cair. Tal mudança de perspectiva nada tem, no entanto, de definitivo ou incondicional e implica, entre outras coisas, que cada Estado-membro participante no euro assegure, de forma sustentada, o equilíbrio das respectivas finanças. Por outro lado, o previsível aumento progressivo das taxas de juro de curto prazo pela Reserva Federal norte-americana terá um impacto significativo nos mercados obrigacionistas do mundo inteiro. Apesar de tal aumento poder vir a ser mais tardio e modesto do que a generalidade dos observadores parece esperar, o mesmo poderá provocar abalos no mercado das obrigações soberanas dos países periféricos, em particular numa altura em que se começa a discutir, não sem alguma razão, a eventualidade de os prémios de risco dessas obrigações serem actualmente indevidamente reduzidos.     

Em segundo lugar, não devem ser esquecidos os riscos internos. Começando pelas dúvidas que ainda se colocam quanto à constitucionalidade de medidas que foram essenciais para o maior equilíbrio alcançado nas contas públicas. E acabando na proverbial incapacidade dos nossos partidos políticos em encontrar consensos quanto a opções de política básicas que permitam que, pelo menos, parte dos progressos alcançados se possa considerar consolidada.   

Em suma, o dia 17 de Maio marcará apenas o fim da primeira de várias etapas que como país teremos de percorrer para podermos almejar um futuro mais próspero. Esperemos que nessa caminhada os nossos parceiros internacionais demonstrem maior visão do que a que por vezes revelaram em momentos anteriores da crise do euro e que intramuros saibamos dar mostra da disciplina e sentido do compromisso necessários.

Sócio-coordenador da Área de Prática de Direito Europeu e Concorrência de PLMJ – Sociedade de Advogados, RL

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