Rumo à crise política?

Apesar de estarmos sob aparente acalmia, quer dos mercados quer na política nacional, tudo poderá mudar de repente, aliás aos dois níveis. Pelas declarações de membros do Governo e da maioria parlamentar tudo indica que a decisão já assumida no núcleo restrito do primeiro-ministro será a de que este acórdão ainda passa, mas se vier aí outro chumbo do constitucional, agora à contribuição especial de solidariedade, então o Governo deve apresentar a demissão porque não tem condições para governar. Isto não foi dito mas está nas entrelinhas.

A narrativa do Governo e da maioria é a de que o Tribunal Constitucional (TC) está a entrar na esfera de competências executiva do governo, que é imprevisível, que assim não se pode fazer um orçamento, que um aumento de impostos seria trágico e poria tudo em causa. Concordo com a imprevisibilidade do Tribunal e com a impossibilidade de se fazer orçamentos nestas ambiguidades em relação às medidas passíveis de controlar salários e pensões. As cinco principais variáveis das finanças do Estado: salários, pensões, juros, impostos e contribuições sociais, comandam o défice orçamental e reduzi-lo sem mexer em nenhuma delas equivale a fazer a quadratura do círculo.  

Porém, o Tribunal está de facto a entrar na esfera de competência do governo - obriga-o a fazer consolidação pelo lado da receita - porque esse é o seu entendimento do exercício da sua competência na interpretação da Constituição. O Governo quer reduzir impostos, mas é obrigado a aumentá-los. Não é trágico e a Comissão Europeia já veio dizer que essa, e só essa, é a alternativa (o que só parcialmente é verdade pois esquece a possibilidade de renegociação da dívida que permitiria reduzir os juros: cf. proposta MADRE de Pâris e Wyplosz). É a solução possível sem renegociação da dívida. Por isso, caso o TC decida pela inconstitucionalidade e se venha a abrir uma crise política, espero que o Presidente não aceite a demissão do Governo.     

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