Portugal financia-se a custo zero mas só o consegue na dívida de curto prazo

IGCP emitiu dívida com prazo de seis meses a juros negativos, mas está longe de o repetir nos títulos de longo prazo. Plano do BCE e queda do euro ajudam à descida dos custos de financiamento na moeda única.

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Portugal emitiu 300 milhões em financiamento a seis meses e 1200 milhões a um ano Patrícia de Melo Moreira/AFP

Portugal juntou esta quarta-feira o seu nome à lista de países europeus que estão a conseguir obter financiamento a custo zero – um movimento que se tem acelerado nos mercados de dívida pública em simultâneo com a depreciação do euro e com o programa de compra de dívida pública do Banco Central Europeu (BCE).

O IGCP, agência responsável pela gestão da tesouraria pública, emitiu 1500 milhões de euros em títulos de dívida, com maturidades de seis meses e um ano, registando pela primeira vez uma taxa de juro negativa nos bilhetes com o prazo mais curto.

O montante obtido a juros negativos é residual (300 milhões de euros) face às necessidades de financiamento projectadas pelo Ministério das Finanças para este ano (11 mil milhões de euros), mas é significativo para a zona euro, porque é um sinal de que os investidores parecem estar agora mais receptivos a aceitar perder dinheiro quando emprestam a países que estiveram sob forte pressão dos mercados no pico da crise do euro.

O Tesouro português conseguiu 300 milhões de euros em financiamento a seis meses, mais 1200 milhões no prazo de 12 meses. O facto de, no primeiro caso, se terem registado juros negativos significa que os investidores estão a decidir perder dinheiro para emprestar os 300 milhões de euros que Portugal tem de reembolsar dentro de meio ano, caso nessa altura mantenham essa dívida na sua carteira.

Para o IGCP, os títulos de dívida foram emitidos a custo zero, o que não impediu que a procura continuasse a superar o valor vendido no leilão (a procura foi 4,6 vezes a oferta). A taxa média desta operação fixou-se em -0,002%, quando na emissão anterior imediatamente comparável (de 18 de Março) se registou um juro de 0,047%. Em contrapartida, na dívida com maturidade de um ano, o juro registado foi de 0,021%, ligeiramente mais alto do que os 0,015% da operação de 15 de Abril. Neste caso, também a procura foi superior à oferta (em 1,97 vezes).

Para Filipe Silva, director da gestão de activos do Banco Carregosa, "embora não seja um dado impressionante para quem acompanha os mercados, não deixa de ser uma novidade" e um sinal "muito positivo para descer o custo médio da dívida". O Tesouro financiou-se a custo zero com dívida de curto prazo, mas ainda está longe e o conseguir quando vai ao mercado emitir dívida de longo prazo (em Fevereiro, numa emissão a dez anos, a taxa foi de 2,0411%).

Deflação e ganhos cambais
As maiores economias do euro há muito registam taxas negativas, tendência que este ano se acentuou. Segundo dados do departamento de estudos económicos do BPI, relativos a Abril, "cerca de 25% das emissões de dívida pública de estados europeus registavam yields negativas".

Mesmo no pico da crise das dívidas soberanas, quando crescia a aversão ao risco em relação aos países da periferia, os investidores que apostavam nos títulos alemães aceitavam receber menos dinheiro. No caso da Alemanha, já se registaram juros negativos em emissões com prazos mais longos. Mas o mesmo movimento aconteceu, nos prazos mais curtos, com a França, a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca e a Finlândia e, mais recentemente, com a Espanha, que em Abril registou juros negativos numa emissão a seis meses. A mesma tendência está a acontecer no mercado interbancário, onde a taxa Euribor a três meses está em terreno negativo desde meados de Abril, tendo ontem atingido um novo mínimo, de -0,012%.

O que justifica este movimento? Os analistas encontram várias razões. Desde logo, a entrada da zona euro em deflação é mais propícia a um ambiente de juros negativos, porque um investidor está a antecipar uma nova descida na rentabilidade da dívida que lhe permita obter um ganho. O programa do BCE aumentou a expectativa de descida dos juros, o que faz com que os investidores considerem mais provável que a descida das taxas se intensifique no curto prazo.

Ao mesmo tempo, a descida do valor do euro face ao dólar – uma queda superior a 8% desde Janeiro – é um isco para os investidores de fora da zona euro, porque a compra de activos lhes possibilita ganhos nos movimentos cambiais.

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