A Fed concluiu a grande experiência que o BCE está agora a começar

Autoridade monetária norte-americana colocou nesta quarta-feira um ponto final no programa de expansão de maior dimensão em toda a sua história.

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Janet Yellen promete juros baixos por muito tempo

Ao fim de seis anos de crise e de três programas de compras de activos que colocaram o seu balanço nuns nunca vistos 4,5 biliões de dólares, a Reserva Federal norte-americana fez nesta quarta-feira o anúncio de que todos estavam à espera: vai desligar “a máquina de imprimir dinheiro” e deixar de injectar quantidades extraordinárias de liquidez na maior economia do mundo.

Não houve surpresas para os mercados – nem se esperam nos próximos dias os sinais de pânico a que se assistiu quando a Fed deu em 2013 os primeiros sinais de que iria de deixar de dar esta ajuda à economia. Em Janeiro, Ben Bernanke tinha delineado um programa de retirada progressiva da política de expansão monetária quantitativa (quantitative easing), que previa exactamente o seu fim para Outubro. A sua sucessora cumpriu o plano à risca.

Janet Yellen apenas teve de verificar se a economia respondia de forma positiva, sem sinais de regresso do desemprego e sem uma inflação demasiado baixa que reforçasse a ameaça da deflação. “As condições do mercado de trabalho de certa forma melhoraram, com ganhos de emprego sólidos e uma taxa de desemprego mais baixa”, dizia o comunicado publicado esta quarta-feira pela Fed no final da reunião do comité que decide o rumo da sua política monetária. Janet Yellen está agora confiante que “a subutilização dos recursos laborais está gradualmente a diminuir”, uma condição indispensável para continuar a assumir que o risco de a inflação cair muito abaixo de 2% diminuiu. Neste momento a inflação homóloga nos EUA é de 1,7%.

Ainda assim, para tranquilizar os mercados, e porque reconhece que não há também o risco de a inflação subir muito, a Fed deixou também a garantia de que as taxas de juro, actualmente a zero, vão manter-se baixas durante “um período de tempo considerável”.

O programa de compra de activos que agora acaba é, como não poderia deixar de ser, alvo de acesa discussão entre economistas. A dimensão inédita da expansão do balanço operada pela Fed faz com que ainda esteja por decidir quais irão ser as verdadeiras consequências daquilo que muitos qualificam como “a maior experiência económica alguma vez realizada”.

Os defensores da estratégia da Fed dizem que esta era a única forma de evitar que os Estados Unidos entrassem num cenário semelhante ao da Grande Depressão dos anos 30 do século passado e apenas temem que a retirada esteja a ser feita cedo demais. Os mais críticos temem que a Fed não consiga agora gerir o progressivo regresso aos mercados dos 4,5 biliões de euros do seu balanço, constituído por dívida pública e privada. O risco de uma correcção desordenada ou de um regresso da inflação, dizem, é agora demasiado elevado.

É no momento em que nos Estados Unidos se começam a fazer balanços da política de quantitative easing, que a Europa inicia um plano do mesmo tipo. O BCE começou na semana passada a comprar activos nos mercados. Para já, são apenas obrigações hipotecárias, mas brevemente deverão passar a ser também pacotes de créditos bancários titularizados.

Os valores baixos da taxa da inflação na zona euro, onde todos os países têm uma taxa que é inferior à dos Estados Unidos, são o motivo para o BCE começar a actuar. Mario Draghi diz que quer evitar um cenário de inflação demasiado baixa durante muito tempo, o que poderia potenciar o risco de deflação.

Também na Europa não há unanimidade em relação a qual o rumo a tomar. Há quem ache (principalmente na Alemanha) que o BCE está a ir longe demais. E há quem diga que o banco central está a actuar já com atraso e com pouca decisão.

Estes últimos alertam para a reduzida força dos instrumentos que está a utilizar. O BCE anunciou na terça-feira que efectuou, durante a primeira semana, compras de activos no valor de 1700 milhões de euros. Este número fica muito distante do bilião de euros que Mario Draghi anunciou como objectivo para a totalidade do programa de compras.

Além disso, ao contrário da Reserva Federal, a política monetária não está a contar com qualquer ajuda da política orçamental para estimular a economia. Antes pelo contrário: cumprindo as regras europeias, vários países anunciaram esta semana novos cortes de despesa para reduzir mais os défices do que inicialmente tinham previsto. A Alemanha irá apresentar um orçamento equilibrado apesar dos apelos de Draghi para que ajude com um estímulo orçamental.

Por tudo isso, nos mercados existe um sentimento generalizado que a tentativa, até agora tímida, do BCE de imitar a Fed vai ter de ganhar força nos próximos meses, com o banco central a ter também de apostar na compra em grandes quantidades de dívida pública dos países do euro. Será também uma nova experiência para o projecto da moeda única.

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