De novo a Grécia

A Grécia conseguiu mudar o nome à troika, obteve tratamento respeitoso, levou os credores a reconhecerem a emergência social que lhe impuseram, impôs temor aos mais fortes, tornou a Europa mais europeia.

De novo a Grécia. As declarações que James Galbraith dispensou a um redactor da Fortune, na semana passada, deixam-nos profundamente apreensivos sobre o funcionamento do Eurogrupo, o errático processo de tomada de decisões e a falta de preparação dos seus membros. E não nos sossegam sobre a Grécia.

James Galbraith, professor da Universidade do Texas, onde é colega de Varoufakis, participou nas discussões de corredores e na cozinha do grupo de conselheiros gregos que acompanhavam Varoufakis na apresentação das primeiras propostas do Governo Syriza ao Eurogrupo. Partilhou do entusiasmo geral sobre a reacção da Comissão, vinda de Juncker, gelou quando Dijsselbloem, presidente do Eurogrupo, apresentou também o seu papel, bem diferente do da Comissão. Participou na tentativa de fusão dos dois papéis para viabilizar uma solução comum e ficou descoroçoado com a reacção de Schäuble, ministro das Finanças CDU, em contracorrente com a do vice-chanceler SPD, Sigmar Gabriel. No final, aconteceu o que se sabe: a Europa dividida, tendo como peões da dureza Portugal, Espanha e Finlândia, com eleições à porta, a quem não convinha o mau exemplo do Syriza. Recusando o que teria sido uma saída airosa e mais duradoura.

Assim, contando com o tempo como principal aliado, a discussão extremou-se, os riscos de ruptura acentuaram-se e o dilema tornou-se mais agudo para Angela Merkel, a única com poder para tudo decidir: ou rompe com a Grécia e arrisca o imprevisível, ou aceita o que os gregos lhe oferecem e dá um sinal de que quando a corda estica, acaba por ceder. Inteligência, cultura histórica, visão estratégica, consciência das realidades parecem ausentes daquele grande salão. Vistas curtas, manuais improvados, receitas falhadas, egoísmo nacional e pretenso justicialismo levam a melhor. Se a Grécia tem hoje o Syriza a governar, deve-o, em boa parte, a Angela, José Manuel e Jeroen, incapazes de entender a história e de projectar o futuro.

Mas os gregos não estão isentos de críticas. Sabe-se agora que o seu Parlamento está dividido em duas grandes correntes, uma favorável à ruptura, outra tendente ao compromisso e à aceitação das regras de Bruxelas, embora lutando até ao fim por soluções viáveis e socialmente justas. As delongas desse debate têm certamente influenciado aquilo que passou para os media como incapacidade técnica de apresentar propostas, superficialidade de análise, ou, pior ainda, manhoso retardamento na apresentação de soluções para encravar credores. Quando nos surpreendemos com as dificuldades gregas em aumentar receita fiscal e o acantonamento das políticas em punição do povo através de desemprego, corte de salários, ordenados e pensões, cabe perguntar: o que fez Antonis Samaras e o seu Governo de larga coligação? Por que razão é o Syriza causticado com críticas de incapacidade de governar e o anterior Governo liderado pela Nova Democracia escapa incólume pelos pingos da chuva, quando deveria ter sido ele a realizar, quando possível, o que agora se exige, sendo já dificilmente realizável?

Sabemos que a popularidade do actual Governo da Grécia continua em alta. Estatelar-se-á, porventura, quando as reformas propostas tiverem que ser realizadas a sério, ou quando a inflação atacar, se abandonar o euro. É nesta antecipável regressão que se deve situar o ponto de equilíbrio. A Grécia conseguiu mudar o nome à troika, obteve tratamento respeitoso, levou os credores a reconhecerem a emergência social que lhe impuseram, impôs temor aos mais fortes, tornou a Europa mais europeia. Talvez tenha até acelerado boas decisões do BCE. Não levou os elementos da troika a meterem a mão na consciência, mas forçou-os a reconhecer que as suas já dissonantes teorias, afinal sofriam de muitos reveses de aplicação. É agora a altura de a Grécia passar a contribuir para a solução e não para agravar o problema.

Estado de negação. O PSD rejubila com a ficção: uma suposta sondagem leva-o aos píncaros do optimismo. Arrogante. Negando cada elemento da realidade quando ela se impõe: a dívida pública aumentou? Que importa, se controlamos o défice? As exportações abrandaram o crescimento? Não há problema, com o petróleo em baixa e o dólar em alta, um euro barato fará maravilhas. Angola corta pagamentos devidos? Não faz mal, arranjámos 500 milhões de crédito interno para adiantar aos exportadores. O défice pode não alcançar os 2,7% previstos para o ano em curso? Não há problema, porque a OCDE e o Presidente nos garantem crescimento a 2%. O desemprego sobe pelo quinto mês consecutivo? Deve ser um problema do INE, que passa a vida a ajustar indicadores. O fisco é um passador de informação à la carte? A culpa é dos funcionários, tanto mais que a Autoridade Tributária é independente (sic). Os pedófilos afinal são escassamente reincidentes? Nunca se sabe, é melhor envergonhar que recuperar. Responsabilidade política dos membros do Governo? Que é isso?

José Silva Lopes. Perda irreparável. Mesmo debilitado, ensinava com modéstia e saber os encartados monopolistas do debate. Correia de Oliveira, para o não perder, influenciou a sua colocação como administrador da Caixa. Acolhe o 25 de Abril com a humildade de quem sabe ter que fazer coisas difíceis e heterodoxas, aceitando ser ministro das Finanças e depois governador do Banco de Portugal. Encabeça as primeiras negociações com o FMI, apoiado por grandes economistas estrangeiros, entre eles o promissor Paul Krugman, colega de Miguel Beleza, que ficaram seus gratos admiradores toda a vida. Lançou entre nós a desvalorização deslizante do escudo e abriu as portas do gabinete de estudos do Banco de Portugal a gente competente. Colaborei com ele nos anos oitenta, em conferências onde me cabia a parte da saúde e mais tarde quando ele presidia à Comissão Parlamentar de Finanças, apoiando o Parlamento com trabalhos técnicos. Quando comecei a ir a Angola em missões do Banco Mundial, um relatório de Silva Lopes para o Fundo era a chave para o entendimento económico sobre o país. Em 1994, aquando da grande crise bancária da Letónia, pediram-me para o convidar a integrar uma missão para restaurar o sistema financeiro. Declinou, delicadamente. Há dois meses, desafiou-me a ajudar um grupo de seus e meus amigos que colocaram a sua experiência ao serviço da procura de soluções económicas e sociais para o país. A sua humildade era o contraponto da imensa superioridade intelectual que lhe reconhecíamos. Lia tudo, sempre e, como ele dizia com um sorriso maroto, “tinha feito umas continhas e concluíra que…". O que mais me impressionou sempre em Silva Lopes foi a sua cabeça de economista, sem subterfúgios, escrita escorreita e incisiva, que também vertia na oralidade. A par de um enorme prazer na discussão com todos, sobretudo os mais novos. Não sendo académico de vida, foi um dos mais importantes geradores de conhecimento económico nacional.

Professor catedrático reformado

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