Esquerda incapaz de travar acordo entre a Selminho e a Câmara do Porto

Recomendação para que a Câmara passe a acompanhar o processo mais de perto também foi chumbada, por um voto.

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ADRIANO MIRANDA

O presidente da Assembleia Municipal do Porto chumbou, com o seu voto de qualidade, uma recomendação, proposta pela CDU, no sentido de que “todas as decisões e informações relevantes do processo Selminho passem obrigatoriamente a ser analisadas em sede do executivo municipal”.  A proposta, que tinha merecido 16 votos contra, outros tantos a favor e 14 abstenções, foi a única que esteve perto da aprovação esta segunda-feira à noite, numa reunião extraordinária deste órgão em que se pediu a anulação do acordo entre a câmara e a empresa de Rui Moreira, ou a assumpção, pelo município, de que é seu parte do terreno em que aquela firma vem reclamando, desde 2005, o direito a construir.

Acusado de ter escondido do executivo municipal o caso que opõe uma empresa da sua família à câmara, até ele ter sido revelado pela CDU, no ano passado, e de não ter revelado dados relevantes surgidos entretanto, Rui Moreira viu o seu próprio grupo municipal chumbar o único ponto da proposta da CDU que parecia reunir o mínimo consenso nesta assembleia municipal. O PS, que numa intervenção lida pelo seu porta-voz, Gustavo Pimenta, se colocou de lado nas críticas a Moreira mas pedia “o cabal esclarecimento de todas as questões emergentes deste diferendo”, deu nota de que votaria favoravelmente aquele ponto. Mas o seu apoio acabou por ser insuficiente. E perante o empate, acabou por ser Miguel Leite Pereira a rejeitar a proposta comunista.

Assim, todas as pretensões do Bloco de Esquerda e da CDU, as duas forças mais empenhadas nas críticas às posições da câmara e do autarca independente neste processo urbanístico saíram derrotadas pela força dos votos, num debate de quase duas horas e meia que teve mais público que o habitual. Público que ouviu o PS recusar “atitudes persecutórias”, e  um PSD que apareceu com duas vozes dissonantes: uma, a de Luís Artur, elogiando a gestão do processo por parte da vice-presidente Guilhermina Rego e defendendo Moreira, ao dizer que não é possível saber se o acordo é prejudicial para a Câmara até à revisão do Plano Director Municipal; e outra, a de Francisco Carrapatoso, considerando claro haver no caso um conflito de interesses (“por incúria, negligência ou desconhecimento”). Ainda hoje este processo não é transparente”, vincou.

Já Rui Moreira assistiu ao esforço incansável de André Noronha, chefe da sua bancada, para, sozinho, desmontar as teses da oposição, insistindo que a câmara manteve, no actual mandato, uma estratégia processual e argumentos anteriores à chegada do Independente ao poder. O advogado acusou Bloco e CDU de verem uma admissão de direitos a favor da empresa num acordo que, insistia, coloca tudo - direitos de construção e mesmo uma eventual indemnização - na estaca zero e nas mãos de um tribunal arbitral, caso a revisão do plano director municipal não vá de encontro às pretensões da imobiliária.      

O deputado do grupo Rui Moreira: Porto, o Nosso Partido argumentou também que, do ponto de vista jurídico, os registos de uma parte do terreno em nome da Câmara do Porto e da Selminho são ambos “idóneos”, defendendo, neste caso, a atitude da Câmara, que seguindo um parecer externo, acabou por pedir em Março ao tribunal que clarificasse a questão da posse daquela propriedade.  Isto é um estado de direito, “não é um chavismo sem Chávez”, atirou às bancadas da esquerda.

O presidente da Câmara viu-se no entanto obrigado a intervir antes do momento que tinha previsto, para acusar o comunista Honório Novo de difamação quando este o criticou por ter mantido “uma cortina de silêncio” sobre este processo e principalmente sobre os dados mais recentes sobre a titularidade de parte do terreno, facto que não foi comunicado ao executivo municipal até à sua revelação pelos jornais,  “esses energúmenos”, ironizou o comunista.

“Há que imediatamente reparar o que de mal tem sido feito neste processo, e peço-o ao sr. presidente da Câmara, que prezo, e com quem tenho relações amistosas há muitos anos, e podem imaginar o que me custa estar aqui a dizer isto”, vincou o deputado da CDU, que levantou a suspeita de que, se estivesse em causa uma qualquer família Silva, em vez da família Moreira, o município lutaria pela posse do terreno (como deveria fazer, entende), em vez de pedir ao Tribunal que clarificasse, perante os dois registos existentes, se ele pertence à câmara ou ao privado.

O levantar desta suspeita da existência de um favorecimento à sua família foi o suficiente para Moreira considerar que fora ultrapassada a linha vermelha. E criticar o deputado comunista por invocar uma relação de estima e amizade que, considerou, aquele tipo de declarações desmente.

Mais tarde, numa intervenção de fundo que trazia escrita, o autarca insistiu que as posições mais negativas para a sua família foram tomadas no seu mandato, pois o acordo, que a oposição critica, não lhe garante, por imposição da câmara, direito nenhum, frisou, E só agora, consigo no poder, acrescentou, é que o município coloca em causa a propriedade de parte dos terrenos. Uma situação que, na sua perspectiva,  prova que nem ele, enquanto cidadão, nem a sua família foram beneficiados pelos seus actos enquanto autarca.

Em posição contrária, e na esteira da denúncia feita ao Ministério Público, o deputado municipal do PCP insistiu na tese de que as posições públicas da câmara até às eleições de 2013 foram sempre de rejeição de qualquer pretensão da Selminho quanto à edificabilidade naquele terreno da escarpa da arrábida, e criticou a ausência de uma declaração imediata de impedimento por parte do autarca, quando chegou ao poder. A existência, durante os primeiros meses de mandato, de uma procuração passada por Moreira ao advogado da Câmara “até pode ter sido distração, omissão, erro do Sr. Presidente da Câmara, mas é factual e pode ter consequências legais” pois nessa fase, o município passou, disse, a ter uma posição de “admissão total de direitos” ou de uma “indemnização”, afirmou.

“Se a posição vertida no acordo judicial não constitui um fortíssimo benefício da Selminho, já não sei bem o que é, de facto, um benefício”, questionou o comunista, que nesta argumentação esteve acompanhado por José Castro, do Bloco de Esquerda, uma das forças que convocara a reunião e que pedia também a anulação deste acordo. Pretensão que até teve 11 votos a favor e uma abstenção, mas foi chumbada por 34 deputados. Com menos apoio ainda (seis votos a favor), a recomendação do BE de criação de uma comissão de inquérito ficou pelo caminho.

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