Mancala: da África para o Mundo

A sua origem é milenar e desconhecida. Na África é coisa de homens, com regras duras e complexas. Na Ásia, são jogados por crianças. São mais de 200. O berço pode ter sido África mas hoje os mancala são jogos do mundo

Amanhã 7º Volume
Livro África + Bao
Por mais
7,99 ?
Uma colecção para o Verão
Dez jogos de estratégia e perícia de todo o mundo.
À quinta-feira

Há objectos que hoje, dada a panóplia de evoluções tecnológicas e a velocidade a que elas se renovam e superam, dificilmente associamos à matemática. É por isso curioso que um dos mais antigos artefactos matemáticos descobertos em África seja um osso de babuíno, encontrado na serra do Lebombo, na Suazilândia. Mais curioso ainda é que se suspeite que as 29 marcas deste osso com aproximadamente 37 mil anos de idade fossem usadas como calendário e que a utilização dos ossos seja ainda uma prática em tribos da Namíbia.
O Osso de Ishango, descoberto no Congo em 1960 e que hoje pode ser visto no Museu de História Natural de Bruxelas, é um dos casos que mais tem apaixonado os especialistas. Sabe-se que é um antigo registo matemático mas ainda é difícil compreendê-lo e ter uma ideia clara da sua utilidade.
O osso, datado de 19000 a.C., apresenta um conjunto de marcas (os números eram ali marcados com pauzinhos) no sentido longitudinal e divididas em duas colunas, uma com os números ímpares e outra com os números primos entre dez e 20.
Não é possível olhar para a matemática em África sem entendê-la como um fenómeno social que não pode ser desligado da sua cultura de origem, daí que estudos recentes falem de uma Etnomatemática (termo criado pelo historiador de matemática brasileiro D'Ambrosio). Alguns desses novos estudos têm concluído que existem registos matemáticos sofisticados nas produções culturais de alguns povos, entre eles os africanos, e que resultados matemáticos universais podem ser expressos com vários elementos tradicionais.
Num estudo sobre a tradição dos Sona africanos (desenhos que as pessoas fazem na areia, com os dedos, comuns em certas zonas de Angola, Congo e Zâmbia), Paulus Gerdes demonstra, por exemplo, como um simples motivo com este tipo de simetria (linhas contínuas e pontos isolados) pode sugerir uma demonstração do célebre Teorema de Pitágoras.
a Não se sabe ao certo onde nasceram mas espalharam-se pelo mundo. Nas Caraíbas, em África, no Médio Oriente, na Europa, na Índia ou na China não é difícil ver-se jogar algum dos jogos da família mancala. À América chegaram pela rota dos escravos que vinham de África e consigo levavam as suas tradições, costumes e jogos. Na Europa, sobretudo a Espanha e ao Chipre, foram introduzidos pelas mãos dos Muçulmanos. No Oceano Índico circulavam pelas antigas rotas comerciais, percorrendo as ilhas entre África e a Índia.
A origem desta enorme família de jogos tradicionais de tabuleiro (cerca de 200) permanece como a maioria das descobertas matemáticas africanas: desconhecida.
Estudiosos tendem a eleger África como o berço dos Mancala, apesar de estes jogos terem já extrapolado todas as fronteiras. Sabe-se com toda a certeza que esses jogos, considerados matemáticos por não possuírem elementos de sorte nem informação oculta, são muito mais populares em África do que em qualquer outro continente, onde há mesmo uma associação para a promoção do Bao (um dos jogos da família Mancala) na Tanzânia, vários torneios em Zanzibar e uma diversidade de regras e tabuleiros maior do que em qualquer outra região.
Há, no entanto, uma outra corrente que defende que estes jogos terão sido inventados há mais de dois mil anos, não na África negra, mas na península arábica, possivelmente porque mancala deriva de uma palavra árabe, naqala, que significa mover. Hipóteses de outras regiões de origem não faltam. Curiosamente, há até uma referência a esses jogos num texto mitológico hindu.
Alguns tabuleiros de mancala foram descobertos em templos egípcios em Tebas e Luxor, comprovando que pelo menos desde 1400 a.C. era jogado pelos povos daquela região. Existem ainda referências em ruínas da cidade de Alepo, na Síria, e em Atenas.
O uso social desses jogos não é igual em todas as regiões. Têm um uso especial em cada sociedade e uma importância comparável à do xadrez no ocidente. O autor De Voogt afirmou que o jogo teria duas vertentes: uma asiática e outra africana. Enquanto na Ásia são principalmente jogados por mulheres e crianças e considerados jogos de família, em algumas regiões de África, sobretudo na África subsariana, são jogos de homens, com regras complexas e socialmente muito sérios.
Considerado o "Rei dos Mancala", por ser um dos mais exigentes jogos da família Mancala, o jogo do Bao é hoje jogado na África Oriental, nas comunidades Swahili, na Tanzânia, no Quénia, em Zanzibar, no Malawi e ainda no noroeste de Madagáscar. Foi precisamente nessa ilha que foi descoberto por Flacourt, o primeiro a falar sobre esse jogo no Ocidente, em 1658. No século XVII foi também observado por Thomas Hyde no arquipélago das Comores.
É um dos jogos mais simples da colecção Jogos do Mundo, considerado perfeito para familiarizar as crianças com conceitos matemáticos e estratégicos. Para jogar o Bao basta umas dúzias de pedras, feijões ou sementes. Na ausência de tabuleiro, pode construir-se um buraco na terra, formando quatro linhas e oito colunas.
\u2022 O jogo desenrola-se num tabuleiro com quatro linhas e oito colunas.
\u2022 Ao centro, existem duas casas especiais chamadas nyumba.
\u2022 O jogador Sul controla a primeira e a segunda linha e o jogador Norte controla a terceira e a quarta linha.
\u2022 A segunda e a terceira linha são chamadas linhas centrais.
\u2022 Existem 64 pedras (ou sementes). 20 delas são colocadas inicialmente no tabuleiro. As restantes começam o jogo na reserva, ou seja, fora do tabuleiro, e são colocadas uma a uma na fase inicial do jogo.
\u2022 Dois dos conceitos mais importantes no jogo são "semear" (como se distribuem as sementes pelo tabuleiro) e "captura" (como se obtêm as sementes das casas adversárias).
\u2022 No semear, o jogador deve colocar uma semente por casa numa sequência de casas consecutivas numa dada direcção.
\u2022 Só é possível capturar se o semear terminar numa casa da linha central com sementes ou se a casa adversária correspondente também tiver sementes.
\u2022 As peças capturadas nunca saem do tabuleiro. São repostas na linha central do jogador que realizou a captura.
\u2022 É possível realizar capturas múltiplas.
\u2022 Vence o jogo quem primeiro conseguir capturar todas as sementes da linha central do adversário ou deixar o adversário sem qualquer movimento legal.

Sugerir correcção