Prémio Incentivo 2022-23
“Agora sei mais coisas para melhorar as notícias que eu escrevo”
Vencedores do Prémio Incentivo do Concurso Nacional de Jornais Escolares, de Olhão e Alter do Chão, receberam o workshop “Como fazer um jornal”.
O dia acabava de começar quando a equipa do PÚBLICO na Escola se fez à estrada, a partir de Lisboa. Destino: Olhão. Mais precisamente a E.B.1 n.º5, escola-mãe do Jornaleco da N.º5, vencedor do Prémio Incentivo no Concurso Nacional de Jornais Escolares 2021/22. Depois de três horas de viagem começava a avistar-se um bairro de casas tipicamente algarvias e o som que vinha do fundo confirmava a proximidade do destino final. Era hora do recreio e as vozes estridentes, que se sobrepunham entre si, não deixavam enganar.
Na biblioteca escolar, alunos dos 2.º, 3.º e 4.º anos começavam a formar um grupo. Viriam a ser dezasseis, mais uma professora, Otília Marques. Estavam ali para representar as suas turmas e aprender mais sobre jornalismo escolar. Num olhar atento, os detalhes na biblioteca já podiam servir de prenúncio do que se seguiria: na parede, um cheque de 500€ do Concurso Nacional de Jornais Escolares, na prateleira imediatamente ao lado a última edição do Jornaleco da N.º5. Era pelo workshop “Como fazer um jornal”, parte do prémio que o jornal escolar tinha ganho em outubro, que esperavam.
Naquele dia, 23 de maio, a manchete do PÚBLICO dava conta da discussão da descriminalização de drogas sintéticas agendada para breve no parlamento. Maria Inês Abreu, de 10 anos, foi perentória: “Eu acho que todas as drogas deviam ser proibidas no mundo inteiro.” E foi a partir da sua opinião, enquanto se folheava o jornal em papel desse dia, que Luísa Gonçalves, professora e coordenadora do PÚBLICO na Escola, deu a primeira lição: “Qual é a função primordial do jornalista?” Informar. “Pode um jornalista ser influenciado pela sua opinião sobre um assunto?” Não, deve ser imparcial.
O workshop dividiu-se em duas partes: de manhã, aprender como se organiza o jornal e o que distingue os géneros jornalísticos; de tarde, passar à prática e identificar as principais caraterísticas de uma notícia. Por fim, olhar para o Jornaleco da N.º5 e pensar em conjunto o que fariam diferente.
Tratar o jornal por “tu”
O PÚBLICO em cima da mesa individual de cada aluno raramente estava parado. Ora servia de ponto de partida para uma intervenção, ora desencadeava uma conversa entre colegas, em sussurro. Para alguns, aquela era a primeira vez que folheavam um jornal em papel; para mais ainda, era o primeiro exemplar que teriam apenas para si. Rafael Cabrita, aluno do 4.º ano, contou ao PÚBLICO na Escola que este não era um objeto que lhe fosse estranho: “Às vezes os meus avós pedem para eu ir buscar o jornal, outras vezes vejo o jornal com eles.”
A primeira e última vez que Maria Inês Abreu se lembrava de ter pegado num jornal em papel tinha sido na KidZania, o parque temático onde as crianças podem brincar aos adultos e experimentar profissões. “Por acaso eu fui ao Expresso [na KidZania], fiz um jornal e peguei nele e levei para casa. Então esta não é a primeira vez que pego num jornal, é a segunda.” Ao seu lado, Inês Teles, colega de turma, responde em voz alta: “Que eu saiba também não é a primeira vez.”
Ao longo do workshop, Maria Inês Abreu não escondia o entusiasmo e a curiosidade. Além da manchete, comentou uma das notícias em destaque na edição do dia: “Vice de Gaia devolveu relógios de luxo que assume ter recebido”. “Mas quem é que lhe deu os relógios?!”, perguntou, indignada. Esse entusiasmo confirmou-se no final do dia, pelas suas palavras: “Estou um bocadinho mais inspirada, porque eu gosto muito de escrever textos e notícias. Agora ainda sei mais coisas para melhorar as notícias que eu escrevo.”
A participação de todos os alunos foi uma surpresa agradável para Otília Marques, professora do apoio educativo e responsável pelo Jornaleco. “Fiquei muito orgulhosa”, partilhou. “Eles reagiram melhor do que eu estava à espera. Muito interessados, participativos, com argumentos, com opiniões, curiosos; e isso é muito bom.” Assim que regressaram à sala de aula, os alunos “foram contar tudo com a mesma euforia” aos colegas. “Dirigiram-se aos colegas com as mesmas perguntas retóricas: ‘Vocês sabem como é que se faz isto? E como é que se faz aquilo? Vocês sabiam que…?’”
A professora que por um dia se sentou lado a lado com os alunos não pôde ir receber o prémio à redação do PÚBLICO em Lisboa, no mês de novembro, mas ficou “muito feliz com o reconhecimento”. O primeiro Jornaleco da N.º5 surgiu pela altura do Natal de 1995, escrito maioritariamente à mão, e desde então tem mantido uma publicação trimestral regular. Ao fim de tantos anos, e nas vésperas da reforma de Otília Marques, receber este prémio foi particularmente especial. Depois do workshop, a professora reuniu-se com as colegas para começar a pensar na próxima edição. A manchete? “Vai ser o workshop do PÚBLICO na Escola.”
De Olhão a Alter do Chão. Outra paisagem
Seguiam-se cerca de 350 km de Olhão até Alter do Chão, onde aconteceria o segundo workshop “Como fazer um jornal”, com a equipa do Palavras & Companhia. A paisagem que acompanhava a parte do percurso feita pela Estrada Nacional tornava clara a entrada no Alto Alentejo. Da brisa junto à Ria Formosa para o ar abafado que não movia uma folha entre os sobreiros. Pelo caminho viram-se papoilas na beira da estrada, garças e muito gado. Junto a alguns montes, também era possível avistar cavalos. Esses seriam protagonistas na escola do segundo workshop, a Escola Profissional de Desenvolvimento Rural de Alter do Chão (EPDRAC).
Para chegar até à EPDRAC é preciso passar pela Coudelaria de Alter, “o reino do puro cavalo lusitano”, como é vulgarmente conhecida. Há uma ligação direta entre os dois estabelecimentos — na Coudelaria, fundada em 1748 pelo Rei D.João V, criam-se cavalos lusitanos utilizados na prática desportiva; na EPDRAC, formam-se técnicos de gestão equina e acompanhantes de turismo equestre. Mas não só. A EPDRAC é um mundo que não se avista logo na sua plenitude a partir da Coudelaria.
Nesta manhã do dia 25, a equipa do Palavras & Companhia já esperava a equipa do PÚBLICO na Escola junto às instalações da biblioteca escolar. Desta vez ia também o jornalista do PÚBLICO Sérgio Aníbal, que escreve para a secção de economia, e que viria a partilhar com o grupo o seu testemunho sobre o dia a dia no jornal. A capa do PÚBLICO naquela quinta feira era particularmente diferente: trazia a notícia da morte de Tina Turner, a “rainha do rock”. “Vocês sabem quem era a Tina Turner?”, perguntou logo Sérgio Mendes, professor bibliotecário responsável pelo jornal Palavras & Companhia. Era preciso lembrar a distância geracional.
À medida que Sérgio Aníbal ia explicando como é que se chegava até às notícias, algumas questões iam surgindo. “O jornal costuma ter edições em braille?”, perguntou Laura Pinto, aluna do curso de Acompanhante de Turismo Equestre. “Qual é o papel social mais importante que um jornalista tem?”, perguntou o colega Guilherme Cabaço. A pergunta de Guilherme serviria de mote a uma longa conversa sobre o valor-notícia e os interesses do jornalismo. “É perigoso irmos sempre atrás do que dá mais cliques. Nós como jornalistas temos de ter a capacidade de perceber o que interessa às pessoas, mas também o que é importante”, respondeu-lhe o jornalista do PÚBLICO.
No intervalo, antes de um exercício que pôs os alunos a pensar em trabalhos futuros para o seu jornal, os papéis inverteram-se. A equipa do PÚBLICO e do PÚBLICO na Escola foi convidada a fazer um batismo equestre. Este acabou por ser um dos momentos de que Maria Marrachinho, aluna do 10.º ano no curso de Gestão Equestre que acompanhou os principiantes, mais gostou. “É sempre bom nós darmos a conhecer o que nós sabemos fazer, portanto acho que os dois momentos se complementaram”, disse.
Uma zona onde se faz tanto com pouco
De volta à biblioteca escolar, começou o verdadeiro debate. Sobre que gostariam de escrever no Palavras&Companhia? Quando o tema “habitação” surgiu, deu-se um alvoroço. “Muitos de nós vêm de longe estudar para esta escola e há muito poucas casas e quartos para arrendar. Os que existem, são mesmo muito caros”, queixa-se Maria Marrachinho, que é natural do Algarve. A partir de um tema, e com a consultoria de Sérgio Aníbal, surgiram muitas opções para começar a trabalhar.