Olá, cá está ele

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Desde os tempos de jovem estudante, e nessa outra etapa fundamental da vida de um político — o textinho simpático na Wikipédia —, Ferro Rodrigues envolveu-se em movimentos de oposição à ditadura, com passagens pelas prisões da polícia política. “Em 1974, foi um dos fundadores do MES (Movimento de Esquerda Socialista), um grupo político que desempenhou um relevante papel no período subsequente à revolução democrática do 25 de Abril.” Quarenta anos mais tarde, em 2014, voltou a ser um dos fundadores do MES (Movimento de Eliminação do Seguro), um grupo político que desempenhou um relevante papel no período subsequente à revolução republicana do 5 de Outubro de 1910.

Aliás, o novo MES prestou relevante papel na Revolução Liberal de 1820 e, espera, ainda antes disso, nas revoluções populares de 1383-85, já para não falar na revolução inaugural de Afonso Henriques contra a mãe, por amor da santinha, tirem-me deste filme, o António José Seguro é que não, já chega, o povo português desespera com tal candidato a substituir o Passos Coelho, vamos dar um pontapé ao rapazote empertigado ou assim é que não vamos lá! O Tó-Zé que vá escrever o livro Como Perder o Seu Sonho de Primeiro-Ministro em Dez Lições. Ou a cartilha: Abstenções Violentas: Caderno de Exercícios 2!

E assim se fez história, na última semana de Setembro, um glorioso domingo no meio de tempestade e de sol e de calor fora de época, quando as pombas da esperança da esquerda se juntaram no céu e fizeram sombra para proteger a cabeça do novo querido líder António Costa. Nessa jornada de vitória já ele pensava em convidar Eduardo Ferro Rodrigues, de cognome “O Regressado a Um Cargo Fixe”, para novo líder parlamentar do PS. Viu a forma da cara dele nas nuvens rosa do entardecer sobre o Tejo.

Dias só comparáveis a Junho de 2003, quando o mesmo Ferro Rodrigues, então secretário-geral do Partido Socialista, sucessor de António Guterres, obteve a sua maior vitória democrática (44,5% contra 33,3% do PSD) nas eleições europeias. Mas não há bem no mundo que não se transforme no seu contrário. Ou no seu Sampaio.

No meio do escândalo do processo Casa Pia, com acusações contra vários dirigentes partidários, o Partido Socialista andou aos papéis e aos telefonemas manhosos contra a Justiça e a comunicação social, gravados pela Judiciária. Entretanto, o primeiro-ministro Durão Barroso, conhecido comunista maoísta convertido ao quequismo monetarista liberal mais extremo — como diria Victor Hugo, “os extremos tocam-me” —, resolve prestar um grande favor a si próprio: muda de nome e pisga-se com toda a fairness para Bruxelas, onde iria liderar dez inesquecíveis anos de irrelevância da Europa.

E o Presidente da República Jorge Sampaio, velho amigo de Ferro Rodrigues, no intervalo de dois discursos particularmente incompreensíveis, resolve aderir ao Teatro do Absurdo: nomeia Pedro Santana Lopes como primeiro-ministro, sem convocar eleições. Chamou o Ferro Rodrigues ao palácio só para lhe dizer isto, o brincalhão.

Ó inclemência, ó ignomínia. O Paulo Portas fingiu que nem sabia que era também ministro do Mar, foi tão giro na tomada posse, e o Santana quase a desmaiar, mas que tarde tão bem passada.

É possível que Ferro Rodrigues, nesse Setembro da brasa, tenha ido disfarçado de estivador (tem figura para isso) à festa do Avante!, comendo uma bifana, uma festa onde se assobiou e insultou Sampaio como se não houvesse amanhã (e não houve, às vezes o PCP acerta nas sua visões do futuro da humanidade).

O mal estava feito. Jorge Sampaio não teve misericórdia com Ferro Rodrigues. Já Santana Lopes acabou por ter a sua Misericórdia, a política dá muitas voltas. Tantas que, depois de vermos Mário Soares a abraçar outra vez o seu arqui-amigo-inimigo Manuel Alegre, ainda é possível acreditar que Ferro Rodrigues e Jorge Sampaio sejam vistos abraçados a insultarem o árbitro numa tribuna do Estádio José Alvalade. António Costa, o Sporting e esse outro grande clube português — o Poder — conseguirão obter milagres entre os históricos da contestação estudantil que fizeram frente aos gorilas da PIDE e fundaram o MES e coisas desse género.

Eduardo Luiz Barreto Ferro Rodrigues (Lisboa, 3 de Novembro de 1949). Os amigos preparam-lhe em segredo uma rábula em que todos cantam a canção do Beatles “When I’m 64”. Bolas, isto não era para dizer. Aliás, se calhar já cantaram no ano passado, desculpem.

A grande virtude política de Ferro é ter sabido aguentar todos os desgostos desse saco de gatos que é o PS.

A sua debilidade política mais assinalável — é injusto e desonesto, mas tem de ser dito — é quando as pessoas se começam a interrogar sobre a educação e cultura que deu à sua filha apresentadora de televisão. É que, quando se googla o nome Ferro Rodrigues na Internet, ela aparece logo a dizer que torceu um pé a dançar kuduro e que vai ser operada e coisas destas. E põe posts no Facebook k nos fazem kurtir:

Bom Dia!
Toda a manhã você tem
duas escolhas:
continuar a dormir
com os seus sonhos
ou acordar e correr
atrás deles.

O pai da apresentadora de Portugal em Festa poderá agora fazer um Parlamento em Festa? A História o dirá.     

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