Qualidade de vida e código laboral

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O ar ufano do ministro da Economia a referir-se ao código laboral aprovado só pode comparar-se ao de quem só tem prazer com malfeitorias, sinal de perversão mais que de contentamento pela suposta eficiência económica da medida - ser neoliberal é um excesso de normalidade, uma monstruosidade? Num país de salários miseráveis, de que nunca se fala, ou melhor, de que só uns falam como se os salários não fossem números objectivos e comparáveis com os salários praticados noutros países e portanto um dado relevantíssimo da economia como vida real, os argumentos para se tomarem medidas económicas têm sempre a ver com a economia e nunca com as pessoas, como se a economia não fosse um instrumento da vida a viver. A confusão estabelecida entre os meios, convertidos em finalidades e as finalidades, instrumento dos meios, prova como a ideologia neoliberal se seduz pela estatística e pelas suas variações, mas não quer saber do que nas estatísticas são pessoas. Quinze, vírgula, uns tantos por cento de desempregados não são relevantes, relevantes são os zero, vírgula, dois por cento que se desçam.

Que esses 0,2% que se descem se devam a emprego temporário, sazonal, como agora no Verão, não é relevante. Que os salários reais desçam porque as horas extraordinárias passam a metade do valor, não tem importância, nem se lê como mais lucro do patrão, importante é dizer que com menos salário os patrões vão empregar mais gente, como se isso fosse mecânico. Mais gente com menos salário, salário que já não suporta as despesas familiares, não é relevante, nem se caracteriza por generalizar a miséria, nivelar por baixo, isso eram os socialismos reais, falanstérios. Não, o horizonte das sociedades neoliberais não é esse, é outro, é o de criar oportunidades individuais, generalizar a precariedade que é estímulo à criatividade individual, o faminto é por natureza inventor e o inventor é automaticamente um investidor porque inventa horizontes empresariais e novos produtos transaccionáveis. Donde: generalizemos a precariedade e no horizonte teremos o amanhã que canta neoliberal, os despedimentos são a via do desenvolvimento. Pela conquista da miséria se atinge o paraíso, o self made man saído da miséria em direcção aos céus da riqueza é o Novo Homem, protótipo.

Nunca um projecto de governação foi tão ideológico em nome de uma espécie de naturalização da economia, como se esta fosse uma selva aceite pela via da inevitabilidade da força incontrolada dos mercados e os cidadãos, os regimes que se autonomeiam democracias, uma variável aceite, qualquer coisa que pesa apenas como valor estatístico, indicadores.

Neste grupo neoliberal encontramos neoliberais puros e duros, estritamente ligados à alta finança e conselhos de administração, falam a linguagem da taxa, encontramos outros que se dizem democratas-cristãos mas que nem se lembram do rosto de Cristo na cruz - um cristão participe neste esbulho dos pobres ou neste bodo aos ricos, preferindo-se? - e outros foram sociais-democratas e têm uma noção da social-democracia completamente afastada de um papel equilibrador do Estado em matéria de igualdade e liberdade, direitos sociais e acesso equivalido às mesmas oportunidades para todos.

O para todos desta gente é um para todos que cada vez mais contribui para a elitização da elite - a que não dá a cara pelos males que são lucros extremos - e para o enriquecimento, alavancado na governação diria, de uns tantos novos cada vez mais ricos que estão de passagem no poder, testas de ferro dos primeiros e dispostos a tudo para realizarem as suas teses dogmáticas - a tal certeza absoluta da via - na realidade tão absurdamente justificadas por lógicas finalistas como os comunismos de caserna que a história provou possíveis. O extremismo tomou conta do poder, um novo terror apoderou-se do Estado. Nada os demove, nada os comove e são todos pais de família candidatos a santos. E se resta nesta democracia aquilo a que o simulacro obriga para parecer o que não é, que é alguma coisa, isso se deve à irredutibilidade portuguesa, identitária, que, como Bartleby, não entra em falsos consensos de normalização pseudo-estabilizadora, pois não se pode rumar um mesmo rumo em que uns vão parar ao abismo e outros às Caraíbas. O tipo que vai à tua frente e te conduz é o teu inimigo, diz o poema do pobre B.B.

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