O imposto sobre os combustíveis nos Estados Unidos e cá

Do consumo de combustível por um cidadão resulta um efeito adverso, via poluição, sobre os demais cidadãos

Nos últimos metros das primárias democratas, surgiu, pela voz de John McCain, a última divisão entre os campos de Hillary Clinton e Barack Obama. Sugeriu o senador do Arizona a introdução de gas tax hollidays, para se referir a um período de tempo em que os cidadãos americanos, vergastados pela crise económica, estariam isentos do pagamento de impostos sobre combustíveis. Se a ideia tem algum sentido na óptica do candidato republicano, menos compreensível foi o entusiasmo da senadora de Nova Iorque. Obama, hoje confirmado como candidato presidencial democrata, deu mostra de maior bom senso ao repudiar a proposta, encontrando-se assim na mais improvável das uniões que a ideia de McCain teve o dom de gerar: economistas, de diferentes escolas e cor política, que em coro se insurgiram em protesto. O debate chegou mesmo até nós, com o Governo a propalar uma inflexibilidade à descida do ISP contra vozes que reclamam a redução deste imposto. É sabido que a concordância de opiniões entre economistas é coisa rara, e até alvo de vasto anedotário. Foi, por isso, com surpresa que nos EUA se assistiu ao uníssono de gente tão diversa como o ex-conselheiro de George W. Bush, Gregory Mankiw, da Universidade de Harvard, e o sempre prolixo Paul Krugman, apoiante fervoroso de Hillary.Em geral, o mainstream do pensamento económico encontra múltiplos defeitos nos impostos indirectos, onde o tal gas tax se inclui - como, entre nós, o IVA e o ISP. Incidindo sobre a utilização do rendimento, os impostos indirectos geram, alega-se, um efeito que na gíria da profissão recebe o assustador nome de "perda morta", e que corresponde a uma diminuição líquida do bem-estar social face à situação de equilíbrio de mercado sem impostos. Não é bem-estar transferido de produtores para consumidores ou vice-versa, nem sequer transformado em receita fiscal: é uma parcela de bem-estar que simplesmente se perde pela intervenção sobre o preço definido pelo mercado. O ideário do Partido Republicano sempre foi favorável à redução da carga fiscal. Por isso se compreende a ideia de McCain.
Gregory Mankiw dá, contudo, provas de elevação académica, ao reconhecer a excepção representada pelo caso dos combustíveis, não confundindo a sua qualidade de economista com a sua simpatia pela administração republicana. A ideia é simples e tanto Obama como esse coro de economistas a compreendeu: os combustíveis são uma excepção ao palavreado do mainstream, na medida em que do seu consumo por um qualquer indivíduo resulta um efeito adverso, via poluição, sobre os demais. Na gíria, há uma externalidade negativa, exemplo de uma falha de mercado. Já Pigou, economista britânico nascido em 1877, recomendava a correcção destas falhas mediante tributação indirecta. O objectivo do gas tax, no que poderá para os nossos políticos ser uma surpresa, não é a apregoada consolidação orçamental, mas antes a tentativa de minorar um efeito ambiental adverso agindo directamente sobre aqueles que causam esse efeito.
Para mais, como enfaticamente diz Krugman, há a matéria da incidência fiscal, que qualquer aluno de um curso introdutório de Economia deverá saber: quanto mais rígida for a procura, mais fácil é aos vendedores manterem os preços de venda quando os impostos indirectos descem, tornando assim parte dessa descida num aumento das margens de lucro. Ora os combustíveis, como bem se compreende, têm uma procura relativamente rígida: as necessidades industriais e de deslocações dos cidadãos isso determinam. Não é, portanto, expectável que a introdução de gas tax hollidays seja eficaz a minorar o impacto das subidas de preços na vida dos americanos.
Nem dos portugueses, diremos nós. Por isso, a solução do nosso problema não passa também pela descida do ISP. Obama percebeu isto. E manteve-se coerente com a tradição mais ambientalista dos democratas, não caindo no populismo fácil de Hillary. O apoio àqueles que a crise mais afecta deve fazer-se de outras formas, defende o senador do Illinois. Haja entre nós quem entenda o mesmo. Professor da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade Católica Portuguesa

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